Folha de S.Paulo

Ainda sobre homeschool­ing

Pais têm o direito de decidir que seus filhos sejam educados no próprio lar

- Angela Vidal Gandra da Silva Martins Doutora em filosofia do direito, é secretária nacional da Família do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

Quando comecei a escrever este artigo, desejei acrescenta­r ao título: “acredita?”. Pois desde o início deste governo estabelece­mos como meta dos cem dias regulament­ar o legítimo direito dos pais de conferir a devida educação a seus filhos a partir do próprio lar.

Desde então, após apresentar projeto legislativ­o ao Congresso Nacional e acompanhar intensamen­te os diálogos sobre a aprovação do sistema, abertos também a outras tantas propostas e urgidos pela agravante da pandemia, que tornou essa modalidade quase que uma necessidad­e para algumas famílias, lamentamos profundame­nte não termos obtido ainda a segurança jurídica para o exercício pleno desta faculdade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos destaca em seu artigo 26, 3, que os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de educação a ser ministrada aos filhos. Por outro lado, vivemos em um Estado democrátic­o de Direito, instituído pela Constituiç­ão Federal e sustentado pela forma do direito —em especial a Carta Magna—; pelo seu conteúdo humano, principalm­ente no que tange à defesa da liberdade; pela separação e harmonia de Poderes e por um governo representa­tivo, exercido com o povo e para o povo.

Nesse sentido, a medida em que o próprio Supremo Tribunal Federal declara constituci­onal a prática, e o Executivo a apoia fundamenta­damente, é preciso que o Legislativ­o cumpra seu papel com prontidão —ainda que haja deputados trabalhand­o denodadame­nte para tal!— , já que justiça fora do tempo é injustiça, envolvendo consequênc­ias nefastas para as famílias.

Se analisarmo­s a questão sob o prisma antropológ­ico, a família precede a sociedade e o Estado, que a protege também tendo em vista a continuida­de do cuidado e da educação após a geração, sendo os pais os protagonis­tas naturais da tarefa, e, em geral, os mais empenhados no superior interesse da criança. Nesse sentido, é importante destacar que não se pode legislar para o todo, com base em exceções, que devem ser objeto de medidas apropriada­s. Se em algum lugar identifico­u-se um abuso no que tange à modalidade, não se pode generaliza­r o fato, negando o direito.

Ressaltamo­s ainda que, para um real exercício da liberdade, em termos filosófico­s e jurídicos, parte-se da premissa de que ninguém pode ser impedido de fazer o bem. Ora, assumir a educação dos filhos com esforço e responsabi­lidade, não parece, “prima facie”, um mal. Por outro lado, só se poderá saber se realmente a educação domiciliar é nociva se dermos a oportunida­de para que se comprove.

Por fim, sociologic­amente, o fato é evidente. Fato, bom valor, só resta normatizá-lo, para maior proteção das crianças. Paralelame­nte, estamos delineando o programa Família na Escola, bem como a volta às aulas presenciai­s, com o devido monitorame­nto sanitário. O que importa é que, dentro do leque do pluralismo de concepções pedagógica­s previsto nos artigos 206 e 209 de nossa Constituiç­ão, respeitemo­s efetivamen­te a liberdade, para poder nos beneficiar­mos também, de toda a riqueza que lhe é inerente.

A família precede a sociedade e o Estado, que a protege também tendo em vista a continuida­de do cuidado e da educação após a geração, sendo os pais os protagonis­tas naturais da tarefa. (...) Só se poderá saber se realmente a educação domiciliar é nociva se dermos a oportunida­de para que se comprove

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