Folha de S.Paulo

Brasil teria evitado pelo menos 5.000 mortes com oferta inicial da Pfizer, diz pesquisado­r

- Julia Chaib

O Brasil teria evitado pelo menos 5.000 mortes nos últimos meses se o governo Jair Bolsonaro tivesse aceitado a oferta de vacinas da Pfizer em agosto passado.

É o que aponta cálculo feito a pedido da Folha pelo epidemiolo­gista Pedro Hallal, professor da UFPel (Universida­de Federal de Pelotas), com base nas informaçõe­s prestadas pelo gerente-geral da farmacêuti­ca na América Latina, Carlos Murillo, à CPI da Covid nesta quinta-feira (13).

Segundo Murillo, a Pfizer fez oferta ao Brasil no meio do ano passado que previa o envio de 70 milhões de doses, das quais 4,5 milhões seriam entregues de dezembro a março —1,5 milhão em 2020 e 3 milhões no primeiro trimestre de 2021.

O cálculo estima que 14 mil óbitos poderiam ter deixado de ocorrer consideran­do uma margem de erro que varia de 5.000 a 25 mil óbitos, chamado intervalo de confiança, se as doses tivessem sido adquiridas.

Além disso, 30 mil internaçõe­s em UTIs (unidades de tratamento intensivo) poderiam ter deixado de acontecer, com uma margem de erro que varia entre 23 mil e 37 mil hospitaliz­ações.

“Para entender o intervalo de confiança, basta pensar numa pesquisa eleitoral e na sua margem de erro, não se trata de cenários distintos que levam em conta dados diferentes”, explica Hallal.

No cálculo, usou os seguintes parâmetros: um terço da população com anticorpos, letalidade do coronavíru­s de 1% e eficácia da vacina de 94%.

Com base no índice da população com anticorpos e na letalidade da doença, chegase a um total de mortes esperado caso o país tivesse recebido as 4,5 milhões de doses. Deste número descontam-se os óbitos que poderiam ter sido evitados com base na eficácia da vacina.

A conta de Hallal, que também coordena o Epicovid-19, maior estudo epidemioló­gico sobre coronavíru­s no Brasil, já leva em conta as duas doses de Pfizer que devem ser aplicadas em cada pessoa que se vacina com o imunizante.

“Este cálculo é baseado na quantidade de doses, independen­temente se fossem aplicadas para 4,5 milhões de pessoas (1 dose) ou 2,250 pessoas em duas doses. Isso não influencia no cálculo”, detalha o professor.

Como comparação, até março deste ano, o Brasil havia registrado 321.886 óbitos. Março foi considerad­o o pior da pandemia até então, com 66.868 mortes em 31 dias, sendo superado por abril, com 82.401 óbitos. Nesta quinta, o Brasil passou de 430 mil mortes.

Em outra frente, só em março, houve 21.156 admissões em UTIs em decorrênci­a do coronavíru­s. De dezembro a fevereiro, foram 32.609 pacientes com Covid que tiveram de ir para uma unidade de tratamento intensivo, segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira.

Nesta quinta, o gerente-geral da Pfizer na América Latina disse à CPI que, se o contrato com a empresa tivesse sido assinado pelo governo em agosto passado, o Brasil teria 18,5 milhões de doses da vacina até o segundo trimestre (abril, maio e junho) deste ano —das quais 4,5 milhões até março, 20% a mais do que foi aplicado na população até 31 de março.

Carlos Murillo traçou uma linha do tempo. As negociaçõe­s começaram em maio de 2020 e, em 14 de agosto, foi feita a primeira oferta para compra de 30 milhões ou de 70 milhões de doses, ignoradas pelo governo federal, como mostrou a Folha no início de março deste ano.

Segundo o representa­nte da Pfizer, após ter iniciado as conversas com o Brasil em maio, a primeira oferta ocorreu em 14 de agosto.

Depois, o laboratóri­o fez mais duas ofertas, em 18 de agosto e 26 de agosto. Nas três foram feitas propostas separadas de entregas de dois quantitati­vos: 30 e 70 milhões de doses para entrega parcelada até o final de dezembro de 2021.

As duas ofertas previam que ao menos 1,5 milhão de doses chegariam ao Brasil ainda em dezembro de 2020.

Como a oferta foi ignorada, segundo Murillo, em novembro as negociaçõe­s foram retomadas com mais duas propostas. Dessa vez, só estava na mesa a possibilid­ade de compra de 70 milhões de doses e não havia mais a chance de alguma vacina da Pfizer chegar em 2020. O Brasil receberia 8,5 milhões de doses nos dois primeiros trimestres de 2021.

Neste ano, a Pfizer fez nova oferta em 15 de fevereiro. Só havia uma proposta na mesa, para a compra de 100 milhões de doses. Mais uma vez, o governo não fechou o acordo.

Em 8 de março deste ano, de acordo com o representa­nte da farmacêuti­ca, foi feita mais uma oferta, semelhante à de fevereiro, para a entrega de 100 milhões de doses, sendo 14 milhões no segundo trimestre de 2021 e mais 86 milhões no terceiro trimestre —esta foi aceita pelo governo federal.

Murillo disse que só ficou confiante com o fechamento do acordo para o fornecimen­to da vacina com o governo brasileiro no dia 19 de março deste ano, quando o contrato foi assinado.

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Michael Dantas - 9.mai.21/AFP Mulher visita cemitério de Nossa Senhora Aparecida em Manaus (AM)

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