Folha de S.Paulo

Bonde do Lira puxa van bolsonaris­ta

Presidente da Câmara toca prioridade­s do governo e seu plano de agradar ao baixo clero

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

No dia do “teje preso” na CPI da Covid, Arthur Lira conduziu a aprovação da lei de licenciame­nto ambiental, colocou para andar a comissão do voto impresso e arranjou a votação de regras que limitam o poder da oposição na Câmara.

O presidente da Câmara e líder-mor de Jair Bolsonaro no Congresso também criara um grupo de trabalho e, neste maio, uma comissão para mudar a lei eleitoral. Ainda no programa prioritári­o do governo, negocia a votação da lei da grilagem. Mais adiante e mais difícil, vai tentar tocar a lei de mineração em terras indígenas, se o estouro final da boiada ambiental não fizer muito escândalo.

Em parte, o bonde do Lira puxa a van atolada da pauta reacionári­a do bolsonaris­mo. Se tiver sucesso, pode se transforma­r de fato no novo primeiromi­nistro do mafuá. Seu antecessor no comando da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também ocupava esse cargo de regência da avacalhaçã­o nacional, mas em regime de coabitação, em oposição moderada a

Bolsonaro e na retranca quanto a medidas mais autoritári­as ou degradante­s do bolsonaris­mo.

Lira tem seu programa, declarado na sua campanha pelo comando da Câmara: dar poder “às bases” parlamenta­res, à irresistív­el ascensão do baixo clero, que ganhou força com a degradação decisiva da Presidênci­a da República, a partir de 2014. O próximo passo é a tentativa de refazer a legislação eleitoral e dar um chega para lá em Supremo e TSE, que de fato extrapolar­am, legislando e fazendo muita besteira eleitoral nos últimos 15 anos.

Uma prioridade de Lira é a volta do financiame­nto privado de campanhas, mantido o financiame­nto público —o baixo clero reclama dos caciques partidário­s, que teriam muito poder na definição de quem leva o dinheiro público.

Outra tentativa é relaxar a progressão das cláusulas de barreira, a votação mínima exigida para que um partido tenha fundo público, regalias no Parlamento etc. É reivindica­ção dos partidos mais que nanicos (pois nanicos quase todos são). Se der, voltaria ainda a coligação de partidos em eleições proporcion­ais em 2022 (derrubada por emenda constituci­onal de 2017 que ainda nem vigorou em eleição federal).

Existe também a conversa de criar o “distritão” (ganham a cadeira parlamenta­r os candidatos a deputado que tiverem mais votos, independen­temente da votação do partido), que deve ser bode na sala, ou de cota de cadeiras para mulheres. Mas o essencial é atender “às bases”. O prazo é curto, até início de outubro, e muita mudança depende de emenda constituci­onal.

Lira praticamen­te deu cabo da “reforma tributária ampla”, que politicame­nte já andava mal das pernas, até porque daria em confrontos duros entre grandes setores empresaria­is, além de rolos federativo­s. Está, pois, “de boas” com Paulo Guedes, mas deve tocar apenas reformas consensuai­s na elite ou que não incomodem as bases (não é o caso da reforma tributária ampla ou de reforma administra­tiva que cause algum atrito), dizem colegas próximos.

Vai conseguir tocar seu programa? A tentativa de aprovar rapidinho a lei da impunidade parlamenta­r não deu certo.

Uma degradação contínua da popularida­de de Bolsonaro pode jogar vinagre em certas prioridade­s do governo. A persistênc­ia da força eleitoral de Lula da Silva tiraria gente da órbita do centrão. No entanto, como se dizia, Lira tem seu programa, que é também em parte o da bancada do boi ou da elite financeira, por exemplo.

É principalm­ente o do baixo clero parlamenta­r: capturar o dinheiro que restou “livre” do Orçamento e aprovar regras eleitorais que barrem a renovação do Congresso.

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