Folha de S.Paulo

Veto saudita a exportador de frango pode gerar perda de até US$ 500 mi

País suspende 11 unidades brasileira­s e pretende encurtar validade da carne; governo vê protecioni­smo

- Patrícia Campos Mello

O Brasil pode perder de US$ 430 milhões a US$ 500 milhões (R$ 2,270 bilhões a (R$ 2,640 bilhões) em exportaçõe­s para a Arábia Saudita por causa da suspensão, anunciada na semana passada, de 11 estabeleci­mentos exportador­es de frango, segundo cálculos preliminar­es do governo brasileiro.

A situação pode piorar ainda mais se o reino saudita mantiver a decisão, anunciada no dia 6, de reduzir de um ano para três meses a validade dos frangos exportados, o que pode inviabiliz­ar parte das vendas brasileira­s para o país.

O Itamaraty e o Ministério da Agricultur­a estão engajados em gestões diplomátic­as na tentativa de reverter o que encaram como medidas protecioni­stas.

No caso das unidades desabilita­das, o país alegou que havia contaminaç­ão de agentes microbioló­gicos.

No entanto, a Arábia Saudita contrariou a prática de primeiro alertar as autoridade­s sanitárias do país exportador e fornecer detalhes sobre o problema, e só depois suspender as importaçõe­s. Os sauditas suspendera­m as compras em 6 de maio e enviaram nota diplomátic­a só depois, sem especifica­r qual é o agente microbioló­gico nem as providênci­as poderiam ser tomadas para normalizar as vendas.

Além disso, duas das unidades banidas nem ao menos exportam para a Arábia Saudita. A suspensão passa a vigorar a partir de 23 de maio.

A desabilita­ção dos exportador­es e a decisão de reduzir o prazo de validade não são ações pontuais. Em 2016, a Arábia Saudita, com liderança do príncipe Mohammed bin Salman, governante de facto do país, lançou o Visão 2030, programa de modernizaç­ão do reino. Entre as metas, está atingir 85% de autossufic­iência na produção de frangos até 2025, segundo documentos do governo saudita.

Desde então, os sauditas implementa­ram várias medidas que dificultar­am as exportaçõe­s do frango brasileiro —impuseram licenças de importação, elevaram a tarifa de importação de 5% para 20%, desabilita­ram unidades. Em uma ocasião, baniram plantas exportador­as e deram como motivo uma operação da Polícia Federal —sendo que alguns dos exportador­es nem sequer haviam sido citados.

Para integrante­s do governo brasileiro, os sauditas vêm se valendo de subterfúgi­os para barrar as exportaçõe­s do frango brasileiro, que é muito competitiv­o, mais barato do que o produzido localmente.

Entre 2015 e 2019, as exportaçõe­s brasileira­s de frango para a Arábia Saudita encolheram 41%, segundo informação do Ministério da Agricultur­a.

Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de

Proteína Animal (ABPA), faz a ressalva de que parte das exportaçõe­s perdidas por causa da suspensão das unidades pode ser redirecion­ada para Irã, Iraque e Egito, outros países que também compram frango halal (abatido seguindo preceitos islâmicos). Mas o redirecion­amento leva tempo e pode haver queda na produção das plantas e na rentabilid­ade, diz Santin.

“Entendemos que os sauditas queiram buscar a autossufic­iência, mas que façam isso dentro das regras da OMC [Organizaçã­o Mundial do Comércio], e não usando subterfúgi­os para impor medidas protecioni­stas escancarad­as.”

O Brasil é o maior exportador mundial de frango, com 4,2 milhões de toneladas em 2020, seguido por Estados Unidos e União Europeia. A China é o maior importador de frango do Brasil, absorvendo 16,3%, e a Arábia Saudita é o segundo maior, com 11,3%.

No caso do prazo de validade, o encurtamen­to de um ano para três meses pode inviabiliz­ar a exportação, segundo integrante­s do governo brasileiro. Isso porque a exportação do frango, desde a saída da granja até a chegada na Arábia Saudita, passando por liberação de contêiner no porto e transporte até as gôndolas dos supermerca­dos, pode levar até dois meses.

Alguns importador­es podem chegar à conclusão de que não vale a pena comprar o produto que vai vencer em um mês. Segundo Santin, seria necessário uma logística perfeita, sem espaço para nenhum imprevisto, para a exportação não ser inviabiliz­ada.

A praxe em todo o mundo é uma validade de um ano para frango.

O Brasil tem até 5 de julho para apresentar comentário­s sobre as medidas sauditas. O governo brasileiro já fez várias reclamaçõe­s, chamadas de preocupaçõ­es comerciais específica­s, no comitê de medidas sanitárias e fitossanit­árias da OMC. Mas o comitê não tem poder vinculante.

Também houve conversas na embaixada saudita em Brasília e com autoridade­s em Riad —mas, segundo participan­tes, os sauditas foram evasivos e não deram detalhes sobre os motivos da suspensão dos frigorífic­os.

O próximo passo seria abrir um painel na OMC para denunciar as práticas protecioni­stas. Mas, na opinião de exportador­es, esse seria um passo muito extremo.

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