Folha de S.Paulo

Exames de anticorpos pósvacina não servem para saber se ela funcionou

- Everton Lopes Batista

Neste início de imunização tímido no Brasil, com o alívio de finalmente receber a injeção vem também a dúvida: será que funcionou? Estou protegido?

O sistema imune, assim como a ação dos vírus, é complexo e depende de uma variedade de moléculas para defender o corpo. Testes sorológico­s, que medem somente anticorpos, podem até dizer se essas proteínas protetoras foram geradas, mas são ainda insuficien­tes para atestar o sucesso ou o fracasso da imunização em uma pessoa.

A Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s (SBIm) não recomenda a realização de sorologia para avaliar resposta imunológic­a às vacinas contra a Covid-19.

“A complexida­de da imunidade pós-vacinal, ou mesmo após doença natural, não corrobora a realização dos testes, pois os resultados não traduzem a situação individual de proteção”, diz nota técnica publicada em março.

O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), uma das autoridade­s de saúde mais respeitada­s no mundo, também não recomenda o teste para verificar a ação da vacina.

“Os testes podem ser feitos cerca de 30 dias depois da vacinação completa, mas por mera curiosidad­e. Nesse momento, eles não têm efeito prático e ainda podem causar confusão —a pessoa pode achar que a vacina funcionou quando não está protegida ou o contrário”, diz o geneticist­a David Schlesinge­r, diretor da Mendelics, especializ­ada em diagnóstic­os genéticos.

Quando entramos em contato com um patógeno, o corpo dá início à resposta imunológic­a adaptativa com a produção de diversas moléculas, entre elas, proteínas que chamamos de anticorpos.

Essas moléculas carregam ferramenta­s para desativar o vírus, mas nem todas bloqueiam a ação do invasor. Os anticorpos que o fazem são os chamados neutraliza­ntes.

Os testes mais simples, de tipo rápido, vendidos em farmácia, são pouco sensíveis e dizem apenas se temos ou não anticorpos contra o vírus, sem especifica­r se são neutraliza­ntes. Além disso, a qualidade dos testes varia, não valendo para um diagnóstic­o mais preciso.

No âmbito da pesquisa clínica, existem testes capazes de dizer se a pessoa desenvolve­u anticorpos neutraliza­ntes e até apontar sua quantidade, segundo o patologist­a Carlos Eduardo dos Santos, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratori­al.

Para a ciência, análises de anticorpos são importante­s para saber como o sistema imune dos vacinados se comporta ao longo do tempo. Segundo Santos, o exame pode dar pistas sobre quando será necessária uma dose de reforço para estender a proteção.

Mas individual­mente o teste mais preciso ainda não tem indicação formal e só deve ser feito com pedido médico em casos específico­s, como o de uma pessoa com um sistema imune menos eficiente.

Mesmo quando um bom exame indica a presença das proteínas neutraliza­ntes, não é possível ter a certeza de que a imunização foi bem-sucedida. Isso porque não se sabe a quantidade necessária delas para garantir proteção.

Há outra lacuna. O teste não capta a existência de uma resposta imune celular, com os linfócitos que destroem as células infectadas pelo vírus e produzem substância­s de defesa. No futuro será possível saber com segurança qual é a molécula ou o anticorpo que, quando presente no organismo em uma determinad­a quantidade, garante a imunidade completa.

Os estudos feitos antes da liberação do uso das vacinas e dados coletados após a imunização em larga escala em países como EUA, Reino Unido e Israel são sólidos para indicar que os imunizante­s em uso são seguros e eficientes contra a pandemia.

Dados mostram que as chances de ser internado ou morrer com o Sars-CoV-2 caem drasticame­nte depois da imunização completa, que ocorre cerca de um mês depois da segunda injeção para as vacinas usadas no Brasil.

Ainda assim, nenhuma substância testada contra qualquer doença (incluindo a Covid-19) oferece 100% de eficácia, e é possível verificar um número muito pequeno de pessoas que, mesmo tendo recebido o imunizante, se infectam —em casos raríssimos, podem morrer.

As novas variantes do SarsCoV-2, algumas mais transmissí­veis, são outro fator de atenção. Ainda não se sabe com precisão se as vacinas disponívei­s são capazes de combater todas as versões.

Por isso, cuidados básicos como uso de máscara, distanciam­ento social e higiene das mãos devem ser mantidos mesmo após as duas doses do imunizante. Uma retomada mais segura deve ser feita apenas quando ao menos 70% de toda a população estiver imunizada, o que deve proporcion­ar grande queda na circulação do Sars-CoV-2.

Na quinta (13), o CDC anunciou a suspensão quase total do uso de máscaras nos EUA, ao ar livre ou em ambiente fechado, para os vacinados. A proteção ainda é necessária em locais específico­s.

Ao todo, os EUA já aplicaram mais de 260 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, e a decisão mostra o que os estudos clínicos apontaram e os cientistas têm reforçado: as vacinas funcionam e são nossa melhor arma para pôr fim à pandemia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil