Benítez contou com ajuda do seu tio para vingar no futebol
Argentino é destaque do São Paulo, que enfrenta a Ferroviária no Paulista
O Morumbi estava vazio, sem torcedores para dar as boas-vindas ao novo reforço. Mesmo assim, em sua primeira visita ao estádio, o argentino Martín Benítez, 26, foi muito bem recepcionado.
Contratado por empréstimo do Independiente para a temporada 2021, o meio-campista recebeu, no dia de sua apresentação, a camisa 8 das mãos do ídolo tricolor Silas.
Além de compartilharem o número no uniforme, o exsão-paulino foi o escolhido para apadrinhar o recém-chegado pois é um conhecedor da Argentina, figura ilustre também na história do San Lorenzo —conquistou o Clausura com a equipe em 1995.
Para Benítez, mais do que uma ação para a comunicação do clube, o encontro no Morumbi deu a ele uma sensação de familiaridade.
“Eu pertenço aos Atletas de Cristo, assim como o Silas. O conheci quando ele jogava no San Lorenzo. Depois, em 2001, estivemos juntos em um congresso dos Atletas de Cristo, em Buenos Aires. Temos uma amizade. E Martín foi comigo a esse congresso e conheceu o Silas”, conta à Folha Leopoldo Benítez, tio do jogador.
A carreira de sucesso do sobrinho, campeão da Copa SulAmericana com o Independiente e de bom desempenho pelo Vasco, se deve em grande parte ao trabalho e à confiança que o tio sempre depositou no seu talento.
O torcedor são-paulino também confia nas qualidades do meio-campista, titular da equipe que busca nesta sexta (14) contra a Ferroviária, às 21h30, no Morumbi, a classificação à semifinal do Paulista.
Natural de Posadas, capital da província de Misiones (próximo das fronteiras com o Brasil e o Paraguai), Martín Benítez teve infância humilde e, como tantos outros garotos, enxergava no futebol uma chance de ascensão social.
Começou a trabalhar muito cedo, ajudando na quitanda do pai, Alfredo. Ele e a irmã mais velha, Noelia, saíam pelas ruas da cidade para vender frutas, algumas delas produzidas pela própria família, como as mangas e os limões.
O contato com o futebol também começou precoce, e Benítez deu seus primeiros chutes no Club Atlético La Picada. Quando criança, imitava os movimentos de Javier Saviola, revelado no River Plate, clube do coração de seu pai.
“Desde garotinho, a única coisa que ele queria brincar era de futebol. Treinei um time da região em um torneio do interior e, quando faltava alguém, Martín completava a equipe. Mesmo contra os grandes, já mostrava suas qualidades”, afirma Leopoldo.
No início da adolescência de Benítez, olheiros do Boca Juniors foram a Posadas avaliar jovens da região e gostaram de seu futebol. A ligação para se mudar para Buenos Aires, contudo, nunca chegou, o que desanimou Martín.
Seu tio resolveu então dar uma força ao sobrinho. Exjogador do Guaraní Antonio Franco, clube de Posadas, Leopoldo
foi comandado no time por Francisco “Pancho” Sá, ídolo do Independiente e jogador com mais títulos na história da Copa Libertadores: seis (quatro pelo time de Avellaneda e dois pelo Boca).
Sá arrumou para Martín Benítez um teste no Independiente. Na primeira prova, o jovem não passou. Mas retornou para um segundo teste e, com o incentivo do tio, agarrou a oportunidade e iniciou sua trajetória na instituição.
Sair ainda adolescente de uma cidade pequena e encarar a região metropolitana de Buenos Aires, longe dos pais e da família, pesou na adaptação do garoto. “Foi muito difícil.
Ele me chamou por telefone, dizendo que queria voltar porque um técnico havia lhe tratado mal”, conta Leopoldo.
“Eu disse: ‘Se você quiser, o tio vai te buscar. Mas você tem que entender algo. Todos os sonhos que você tem, de ajudar os seus pais, de jogar no futebol de elite, são muito difíceis estando aqui no interior. Mas estar aí, no Independiente, um clube grande, te dá essas possibilidades’.”
Em 2011, disputou o SulAmericano e o Mundial pela seleção sub-17 da Argentina. Em novembro do mesmo ano, ganhou sua primeira chance no profissional e estreou sob o comando de Ramón Díaz. Ganhou um apelido: Tortuga (tartaruga em espanhol), por conta das costas curvadas.
O início no futebol adulto, entretanto, não foi simples. De novembro de 2012 a abril de 2015, não disputou uma única partida como titular. Se não bastasse a falta de sequência, o clube foi rebaixado para a segunda divisão em 2013.
Parentes, analistas e o próprio Martín são unânimes em dizer que seu crescimento futebolístico se deu a partir do trabalho com duas pessoas: o técnico Mauricio Pellegrino, que passou a dar mais oportunidades a ele, e Alejandro Kohan, preparador físico de Ariel Holan no Independiente e que hoje trabalha na comissão técnica de Hernán Crespo.
Com Alejandro Kohan, conhecido por ser um grande motivador, foram campeões da Copa Sul-Americana de 2017, contra o Flamengo. O ápice na trajetória de um jogador formado nas categorias de base e que suportou um rebaixamento para ver o Independiente renascer na elite.
Pouco antes de se despedir do clube, em 2019, recebeu das mãos de Ricardo Bochini, ídolo máximo do clube de Avellaneda, a camisa 10 do Independiente. “Você é o melhor para usá-la”, disse o “Bocha”, em um gesto repetido por Silas (com a 8) na chegada do meia argentino ao São Paulo.
“Agora eu o vejo feliz, contente. Creio que vai ser uma figura importante no São Paulo, porque tem com quem jogar”, completa Leopoldo, testemunha e apoiador de cada passo do sobrinho pelo futebol.