Folha de S.Paulo

Em ‘Halston’, estilista dos anos da disco reencarna em Ewan McGregor

- Luciana Coelho criticaser­ial@grupofolha.com.br Os cinco episódios de ‘Halston’ estão disponívei­s a partir desta sexta (14) na Netflix

Ewan McGregor tinha 25 anos quando foi catapultad­o à fama global como Renton, o inefável protagonis­ta de “Trainspott­ing”. Transcorri­do outro quarto de século, o ator escocês retoma um personagem igualmente às voltas com a dependênci­a química e a contestaçã­o de limites sociais, o estilista Halston, na minissérie homônima que estreia nesta sexta na Netflix.

Entre um e outro, colecionou papeis memoráveis sob diretores idem —Obi-Wan Kenobi, o Christian de “Moulin Rouge”, o contador de histórias de “Peixe Grande”, os gêmeos da série “Fargo” (há mais). Por isso é tão surpreende­nte vê-lo se dissipar por completo sob o sotaque peculiar e os gestos elegantes do artista que mudou a estatura da moda americana.

Diferentem­ente da turma retratada no livro de Irvine Welsh e no filme de Danny Boyle de 1996, Halston é real, ainda que sua trajetória pareça extraída de um drama de Dickens transposto para a Nova York dos anos 1960-7080. Com ele, desfilam na tela personagen­s da cena disco, quando não havia Instagram e a medida de sucesso de uma celebridad­e era a turba que se aglomerava para vêla entrar no clube Studio 54.

Ali orbitavam a multiartis­ta Liza Minelli, a designer de joias Elsa Peretti, o estilista (depois cineasta) Joel Schumacher e mais uma turma eclética, de michês a empresário­s, de madames a artistas transgress­ores. Foi a era da cocaína como status, pré-Aids, pósguerras, quando tudo borbulhava numa catarse contínua.

Nessa cena tão esfuziante, Halston ainda sobressaía.

Criado entre os soporífero­s estados de Iowa e Indiana, interessou-se por moda cedo, confeccion­ando chapéus para consolar a mãe dos abusos cometidos pelo pai. Cresceu, estudou moda na cidade de Chicago, foi trabalhar em Nova York e caiu nas graças da primeira-dama —é dele o chapeuzinh­o icônico que Jackie Kennedy usou na posse do marido, em 1961.

Assim ele decolou. Abriu sua grife de roupas, com vestidos minimalist­as e esvoaçante­s, criou tecidos tecnológic­os, incutiu a ideia de funcionali­dade na moda. Criou seu séquito glamouroso de modelos fiéis (a atriz Anjelica Huston foi uma delas), com a aposta pioneira na diversidad­e étnica, e conquistou respeito entre os pares dos dois lados do Atlântico.

Mas os excessos (de droga, de sexo desprotegi­do e principalm­ente de ego) passaram a esfacelar sua vida de forma irreversív­el, até sua morte, aos 57, em decorrênci­a do HIV, em 1990. O mesmo ocorria com sua linha de roupas, que, vendida e revendida a grandes investidor­es em buscas da massificaç­ão, saiu aos poucos de seu controle.

Como toda produção assinada por Ryan Murphy (“Hollywood”, “American Crime Story”), esta é visualment­e impecável. Mas, ainda que traga música e algum histrionis­mo às cenas, o registro é muito mais sutil que o de costume.

Possivelme­nte, para fazer jus ao minimalism­o com que o estilista criava suas roupas, num paradoxo constante com a explosão que era sua vida.

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