Exposição homoerótica é cancelada em Belém
‘Suaves Brutalidades’ venceu edital do Banco da Amazônia, que voltou atrás citando medidas de prevenção contra a Covid
Vencedora de um edital do Banco da Amazônia, a exposição “Suaves Brutalidades”, de Henrique Montagne Figueira, tinha um vernissage virtual previsto para ocorrer na noite desta quinta, no espaço cultural da instituição. Depois disso, seguiria aberta para visitação presencial e em realidade virtual.
A exposição, porém, foi cancelada quando estava prestes a ser montada. “Suaves Brutalidades” contém obras com temática LGBT e seu cancelamento faz ecoar outros episódios ocorridos nos últimos anos, em que eventos foram barrados de alguma forma, como a “Queermuseu”, cancelada pelo Santander Cultural em Porto Alegre após protestos em redes sociais.
Segundo o texto de divulgação do projeto, a exposição “Suaves Brutalidades” “traz à tona o universo afetivo masculino, os prazeres e as violências experienciadas na relação entre homens”.
O projeto de Montagne Figueira foi aprovado no Prêmio Banco da Amazônia de Artes Visuais - Edital de Pautas do Espaço Cultural, num valor de R$ 25 mil para a execução.
Em conversa com o repórter, o artista afirma que não recebeu nenhuma parcela da verba. Ainda assim, teve de gastar dinheiro, com recursos do próprio bolso, para arcar com despesas de curadoria, impressão fine art, assessoria de imprensa, mediação, entre outros, num total de cerca de R$ 14 mil.
“Agora estou cheio de dívidas, meus cartões de crédito estão todos estourados”, diz o artista. Segundo Montagne Figueira, até o início de maio, tudo parecia correr bem. No primeiro dia do mês, o artista postou em seu Instagram uma arte de divulgação da exposição e marcou, na postagem, o perfil do Banco da Amazônia.
O perfil de Montagne Figueira contém uma série de imagens homoeróticas, como desenhos retrantando sexo entre homens e nudez masculina.
Ele diz que, a partir do momento em que passou a marcar @bancoamazonia em suas postagens de divulgação, as conversas com o banco tomaram outro rumo. Segundo o escritório de advocacia que atendeu o artista, não havia classificação indicativa. A legislação não prevê a obrigatoriedade da classificação indicativa para exposições e mostras de artes visuais. Uma portaria do Ministério da Justiça regula apenas obras audiovisuais, cênicas e videogames.
Procurado, o advogado do artista, Ivan Sales, disse que a notícia do cancelamento da mostra foi dada verbalmente a Montagne Figueira, dois dias antes do início da montagem da exposição, numa reunião na última quinta-feira.
Na ocasião, a justificativa dada foi que questões de segurança ligadas à Covid-19 impossibilitariam a exposição. Ainda segundo a defesa, não houve comunicação oficial ou por escrito. Montagne Figueira chegou a enviar um email, além de ter se manifestado na reunião presencial, pedindo que a exposição fosse remanejada até o fim do período de vigência do edital. Segundo a defesa, não foi dada nenhuma outra alternativa.
O artista entrou com um pedido extrajudicial para que haja um comunicado oficial e público do cancelamento por parte do Banco da Amazônia, mas não obteve resposta.
Até semana passada, porém, funcionou no mesmo espaço a exposição “Em Casa”, de Elisa Arruda, sem temática LGBT explícita. Esta, por sua vez, foi inaugurada em 17 de março, momento em que a capital paraense passava por período de restrições de circulação mais rigorosas.
Montagne Figueira diz que não foi dada a ele a possibilidade de fazer a exposição em modalidade virtual. A reposta, segundo o artista, foi que o banco não tinha mais interesse em seguir com a exposição.
Ainda de acordo com a defesa dele, houve uma troca de emails, em março, em que um funcionário do Banco da Amazônia afirmou que o projeto passava por processo de aprovação da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, a Secom, para que fosse dada sequência à liberação dos recursos.
O Banco da Amazônia é uma instituição de economia mista, sendo que a União é o acionista majoritário. A instituição afirma, em nota, que a decisão de cancelar a exposição com obras homoeróticas “visa reduzir o volume de circulação de pessoas em área comum”.
Segundo o Banco da Amazônia, a Secom “aprovou a exposição nos termos de instrução normativa vigente”.
Com a retomada das exposições no espaço e constatação da possibilidade de aglomeração, afirma o banco, decidiram suspender as exposições vindouras, não apenas a que já estava programada.