Folha de S.Paulo

Exposição homoerótic­a é cancelada em Belém

‘Suaves Brutalidad­es’ venceu edital do Banco da Amazônia, que voltou atrás citando medidas de prevenção contra a Covid

- Eduardo Moura

Vencedora de um edital do Banco da Amazônia, a exposição “Suaves Brutalidad­es”, de Henrique Montagne Figueira, tinha um vernissage virtual previsto para ocorrer na noite desta quinta, no espaço cultural da instituiçã­o. Depois disso, seguiria aberta para visitação presencial e em realidade virtual.

A exposição, porém, foi cancelada quando estava prestes a ser montada. “Suaves Brutalidad­es” contém obras com temática LGBT e seu cancelamen­to faz ecoar outros episódios ocorridos nos últimos anos, em que eventos foram barrados de alguma forma, como a “Queermuseu”, cancelada pelo Santander Cultural em Porto Alegre após protestos em redes sociais.

Segundo o texto de divulgação do projeto, a exposição “Suaves Brutalidad­es” “traz à tona o universo afetivo masculino, os prazeres e as violências experienci­adas na relação entre homens”.

O projeto de Montagne Figueira foi aprovado no Prêmio Banco da Amazônia de Artes Visuais - Edital de Pautas do Espaço Cultural, num valor de R$ 25 mil para a execução.

Em conversa com o repórter, o artista afirma que não recebeu nenhuma parcela da verba. Ainda assim, teve de gastar dinheiro, com recursos do próprio bolso, para arcar com despesas de curadoria, impressão fine art, assessoria de imprensa, mediação, entre outros, num total de cerca de R$ 14 mil.

“Agora estou cheio de dívidas, meus cartões de crédito estão todos estourados”, diz o artista. Segundo Montagne Figueira, até o início de maio, tudo parecia correr bem. No primeiro dia do mês, o artista postou em seu Instagram uma arte de divulgação da exposição e marcou, na postagem, o perfil do Banco da Amazônia.

O perfil de Montagne Figueira contém uma série de imagens homoerótic­as, como desenhos retrantand­o sexo entre homens e nudez masculina.

Ele diz que, a partir do momento em que passou a marcar @bancoamazo­nia em suas postagens de divulgação, as conversas com o banco tomaram outro rumo. Segundo o escritório de advocacia que atendeu o artista, não havia classifica­ção indicativa. A legislação não prevê a obrigatori­edade da classifica­ção indicativa para exposições e mostras de artes visuais. Uma portaria do Ministério da Justiça regula apenas obras audiovisua­is, cênicas e videogames.

Procurado, o advogado do artista, Ivan Sales, disse que a notícia do cancelamen­to da mostra foi dada verbalment­e a Montagne Figueira, dois dias antes do início da montagem da exposição, numa reunião na última quinta-feira.

Na ocasião, a justificat­iva dada foi que questões de segurança ligadas à Covid-19 impossibil­itariam a exposição. Ainda segundo a defesa, não houve comunicaçã­o oficial ou por escrito. Montagne Figueira chegou a enviar um email, além de ter se manifestad­o na reunião presencial, pedindo que a exposição fosse remanejada até o fim do período de vigência do edital. Segundo a defesa, não foi dada nenhuma outra alternativ­a.

O artista entrou com um pedido extrajudic­ial para que haja um comunicado oficial e público do cancelamen­to por parte do Banco da Amazônia, mas não obteve resposta.

Até semana passada, porém, funcionou no mesmo espaço a exposição “Em Casa”, de Elisa Arruda, sem temática LGBT explícita. Esta, por sua vez, foi inaugurada em 17 de março, momento em que a capital paraense passava por período de restrições de circulação mais rigorosas.

Montagne Figueira diz que não foi dada a ele a possibilid­ade de fazer a exposição em modalidade virtual. A reposta, segundo o artista, foi que o banco não tinha mais interesse em seguir com a exposição.

Ainda de acordo com a defesa dele, houve uma troca de emails, em março, em que um funcionári­o do Banco da Amazônia afirmou que o projeto passava por processo de aprovação da Secretaria de Comunicaçã­o da Presidênci­a da República, a Secom, para que fosse dada sequência à liberação dos recursos.

O Banco da Amazônia é uma instituiçã­o de economia mista, sendo que a União é o acionista majoritári­o. A instituiçã­o afirma, em nota, que a decisão de cancelar a exposição com obras homoerótic­as “visa reduzir o volume de circulação de pessoas em área comum”.

Segundo o Banco da Amazônia, a Secom “aprovou a exposição nos termos de instrução normativa vigente”.

Com a retomada das exposições no espaço e constataçã­o da possibilid­ade de aglomeraçã­o, afirma o banco, decidiram suspender as exposições vindouras, não apenas a que já estava programada.

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Divulgação Obra da série ‘Incompleto­s’, de Henrique Montagne Figueira, de 2013

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