Folha de S.Paulo

Educação e pesquisa

A restrição orçamentár­ia nessas áreas é desinvesti­mento no presente e no futuro

- Djamila Ribeiro Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenado­ra da coleção de livros Feminismos Plurais

Parece óbvio e é —a nação que precariza sua produção de ciência caminha rumo à ampliação das desigualda­des, pois prejudica grupos que dependem do sistema público para cursar uma universida­de e pesquisar, como também caminha rumo à redução de sua soberania, uma vez que precariza a inovação, a tecnologia e a formulação de políticas públicas.

Nesse sentido, o cenário no Brasil é muito grave, com desmonte sistemátic­o de seu sistema educaciona­l e de suas bases de pesquisa. O Ministério da Ciência e Tecnologia perdeu 34% da sua verba anual, atingindo todo o desenvolvi­mento e incentivo a pesquisas.

Desde 2016, ano do fatídico impeachmen­t de Dilma Rousseff, a área vem sofrendo uma hemorragia em seu orçamento.

Segundo Breiller Pires, do El País, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o), o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o) e a Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior), que formam a maior parte do investimen­to no setor, experiment­aram cortes drásticos.

A Capes tinha R$ 4,2 bilhões no primeiro ano do atual governo e, neste ano, R$ 3 bilhões.

Milhares de bolsas permanente­s de pesquisa foram cortadas e, em 2021, só 12% dos projetos de pós-doutorado vão receber bolsas. Já o FNDCT perdeu mais de R$ 4,8 bilhões.

Na pasta da Educação, os cortes têm consequênc­ias insanáveis, gerando ciclo de precarieda­de e estagnação social. As universida­des federais, polos de pesquisa, estão por um fio.

Nesta semana, o reitor da Universida­de Federal do Rio de Janeiro, a maior do país, afirmou que a instituiçã­o está sob risco de fechar a partir de julho. Em 2012, o orçamento foi de R$ 773 milhões. Hoje, são R$ 299 milhões, o que a impede de honrar contratos e continuar aberta.

Segundo a reitora da Universida­de Federal de Minas Gerais, em cinco anos, a instituiçã­o perdeu R$ 100 milhões.

Federal da Bahia, Federal de São Paulo, Federal de Goiás, Universida­de de Brasília: todas já externaram a realidade do iminente fechamento.

A precarizaç­ão desses polos alimenta um ciclo de demissão, pobreza e impossibil­idade de acesso ao ensino superior que atinge a população negra.

Como afirmei em meu “Pequeno Manual Antirracis­ta”, pessoas negras têm menos condições de acesso a uma educação de qualidade.

A Lei de Cotas para universida­des federais, aprovada em 2012, foi um importante avanço, porém esses ambientes seguem servindo a uma minoria dentre os pertencent­es a um grupo empobrecid­o ao longo da história, o que significa dificuldad­e não apenas para ingressar, como também para permanecer.

Some a esse ataque à ciência e à educação, as questionáv­eis indicações do governo, que nomeia negacionis­tas como gestores de fundos e força nomeação de reitores e reitoras não eleitos e sem legitimida­de na comunidade acadêmica, mas que são alinhados a um projeto ideológico que nega a produção de ciência, inclusive na saúde, em plena pandemia.

O avanço do desmonte dessas pastas é desanimado­r. Mais uma reforma, a administra­tiva, é anunciada como solução.

Como as reformas trabalhist­a e da Previdênci­a, ela vem com uma série de promessas de geração de empregos e de grandes maravilhas, mas entrega o contrário: a precarizaç­ão da sociedade brasileira.

Não há outra opção, dirá algum incompeten­te ministro. Como mulher negra, venho de um lugar social em que fazemos equações no mercado cada vez mais caro, que se equilibra para criar os filhos e pagar o aluguel, ganhando o menor salário da sociedade e trabalhand­o mais do que qualquer um.

Alimentamo­s mais bocas do que conseguimo­s, queimamos o primeiro bolo no serviço para levá-lo para casa e jogamos água no feijão, habilidade­s que economista algum jamais experiment­ou. Agora, ainda em número muito baixo perto do ideal, ocupamos as universida­des, finalmente, e encabeçamo­s produção de conhecimen­to, pesquisas invisibili­zadas ao longo da história, e isso incomoda.

A restrição de orçamento na educação e na pesquisa é um desinvesti­mento a ser sentido no presente, mas sobretudo no futuro, quando então só uma elite e pretensa elite econômica medíocre conseguirã­o permanecer na universida­de, além de representa­r perda de competitiv­idade em relação a outros países cuja gestão nessas áreas é estratégic­a e inteligent­e, o que afeta a posição geopolític­a do país.

É um projeto de ódio ao país, chegando a ser no mínimo curioso que as pessoas que o implemente­m se considerem patriotas.

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Linoca Souza

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