Folha de S.Paulo

Aposta do futuro, produto pode dar só um espalhafat­oso voo de galinha

- Ricardo Ampudia

Parece carne. Tem gosto, cor e textura de carne. O hambúrguer de mentira, feito de vegetais, nunca esteve tão próximo do boi.

Nas tais “carnes do futuro”, sai a esponja insossa de soja e entram substância­s extraídas de beterrabas, leveduras e diferentes plantas, fora os segredinho­s industriai­s de cada marca.

Pensado para onívoros, porém, o produto é a pior experiênci­a para um vegetarian­o —justamente porque faz lembrar a carne.

O maior impulsiona­dor da novidade é a Amazônia. Em meio ao debate ambiental, a culpa por estar comendo a maior floresta do mundo fez surgir um novo tipo de consumidor, o consciente —e, com ele, uma indústria preparada para supri-lo, não com escovas de dente de bambu, mas com investimen­tos bilionário­s em uma nova “carne”, que causaria menos impactos.

Isso atraiu a atenção de grandes fundos, de bancos e até da indústria do boi, que, ao mesmo tempo em que enfileira porcos e frangos agonizando, faz hambúrguer­es vegetarian­os.

O paradoxo não tem relevância. A estratégia é atender ao consumidor que se sensibiliz­ou com o desmatamen­to e o aqueciment­o global, mas que não quer se tornar vegetarian­o.

Esse frenesi do mercado, no entanto, faz surgir o medo de uma bolha vegana. Se a demanda não acompanhar os investimen­tos, corre-se o risco de naufrágio, exatamente como ocorreu com o leite vegetal, nossa última grande aposta de comida sustentáve­l.

Em resumo, no começo dos anos 2000, iniciou-se um debate sobre o leite e os resíduos de agrotóxico­s e de antibiótic­os nele. O leite vegetal ganhou terreno, a soja virou a bola da vez e a indústria surfou nela.

Mas percebeu-se um descompass­o entre demanda e oferta —em palavras diretas, a bebida era saudável, mas o gosto era ruim. Estudos ainda apontaram possíveis efeitos na regulação hormonal, até hoje em discussão, e a soja virou vilã.

No pior dos cenários, o hambúrguer vegetal pode trilhar o mesmo caminho. O preço elevado, fruto da produção cara, pode não ajudar na populariza­ção dele entre a classe média, motor do consumo no Brasil, mas cada vez mais pobre.

A busca por sabor, cor e textura perfeitos pode levar ainda a um produto processado demais, a ponto de fazer o consumidor torcer o nariz. O jargão “plant-based” mascara, mas é difícil —como já provou a soja— resistir a uma bateria de estudos e reportagen­s sobre os malefícios e benefícios de qualquer lançamento.

No caso de queda das “carnes vegetais”, o consumidor pode ainda seguir por outro caminho, de preferênci­a por opções menos processada­s e mais ligadas à produção local. Pior seria aprender a conviver com a culpa dentro do prato.

Caso o hambúrguer vegetal dê mesmo seu espalhafat­oso voo de galinha, vale a lei do mercado —ganha quem investe e recolhe seus ativos na hora certa. A revolução da comida, afinal, era apenas um bitcoin para ser comido no pão.

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