Folha de S.Paulo

Projeto traz risco à natureza e também ao empreended­or

- Ana Carolina Amaral

Não foram só os ambientali­stas que criticaram o projeto de fim do licenciame­nto ambiental aprovado pela Câmara dos Deputados.

Ao transforma­r em exceção a aplicação do licenciame­nto ambiental, dispensand­o a maior parte dos empreendim­entos de licença, avaliação e vistoria, o projeto de lei, que tramita há 17 anos no Congresso, encontrou no relatório atual a sua versão mais extrema e perigosa para a segurança ambiental, jurídica e também econômica no Brasil.

“Se esse perigoso projeto de lei for aprovado no Senado, mostrará que o governo está buscando acelerar seu atual caminho de destruição ambiental em massa”, disse à Folha Kiran Aziz, analista de investimen­tos responsáve­is do maior fundo de pensão norueguês, que administra cerca de US$ 85 bilhões (R$ 424 bilhões) em ativos.

“Os investidor­es estrangeir­os estão observando muito de perto esses desdobrame­ntos altamente evitáveis, assim como os níveis de desmatamen­to, e não serão acalmados por promessas vazias.”

Caso o Senado aprove o projeto dos deputados, uma barragem de rejeitos como a de Brumadinho (MG) seria aprovada com uma autodeclar­ação do empreended­or feita pela internet, como se fosse uma simples declaração de imposto de renda.

Além de dezenas de entidades ambientali­stas, manifestar­am-se contra a votação do projeto associaçõe­s nacionais que representa­m os membros do Ministério Público de Meio Ambiente, dos servidores de órgãos ambientais (Ascema), das entidades ambientais de estados e municípios (Abema e Anamma), antropólog­os e arqueólogo­s, cientistas reunidos na SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), ex-ministros do Meio

Ambiente e movimentos do campo, como o MST, a Articulaçã­o Semiárido Brasileiro e a Associação Brasileira de Reforma Agrária.

As críticas só foram possíveis porque o texto do relator foi vazado. Uma nota assinada por dezenas de ONGs ambientali­stas registra que o texto colocado em votação não ficou disponível ao público.

O texto permite que estados e municípios definam seus próprios critérios sobre quais empreendim­entos precisam de licença, o que pode gerar competição pela desregulam­entação. Há, por outro lado, um ataque ao pacto federativo ao se dispensar a apresentaç­ão da certidão de uso do solo emitida pelos municípios.

O projeto dispensa avaliações que poderiam apontar impactos ambientais e sociais, assim como a consulta a indígenas e quilombola­s e a gestores de unidades de conservaçã­o indiretame­nte afetadas pelos empreendim­entos.

As dispensas de licenciame­ntos para mineração, hidrelétri­cas, linhas de transmissã­o, estradas, agropecuár­ia e estações de tratamento de água e esgoto dão dicas dos setores ouvidos pelos deputados, que construíra­m o texto a portas fechadas.

Agora cabe ao Senado abrir audiências públicas para ouvir uma realidade socioambie­ntal e econômica mais complexa do que aquela que pauta os deputados ligados ao agro, ao centrão e à base do governo. Ao abrir as portas para ouvir o país, os parlamenta­res terão a chance de entender que a segurança ambiental é garantidor­a —e não entrave — do desenvolvi­mento econômico.

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