Projeto traz risco à natureza e também ao empreendedor
Não foram só os ambientalistas que criticaram o projeto de fim do licenciamento ambiental aprovado pela Câmara dos Deputados.
Ao transformar em exceção a aplicação do licenciamento ambiental, dispensando a maior parte dos empreendimentos de licença, avaliação e vistoria, o projeto de lei, que tramita há 17 anos no Congresso, encontrou no relatório atual a sua versão mais extrema e perigosa para a segurança ambiental, jurídica e também econômica no Brasil.
“Se esse perigoso projeto de lei for aprovado no Senado, mostrará que o governo está buscando acelerar seu atual caminho de destruição ambiental em massa”, disse à Folha Kiran Aziz, analista de investimentos responsáveis do maior fundo de pensão norueguês, que administra cerca de US$ 85 bilhões (R$ 424 bilhões) em ativos.
“Os investidores estrangeiros estão observando muito de perto esses desdobramentos altamente evitáveis, assim como os níveis de desmatamento, e não serão acalmados por promessas vazias.”
Caso o Senado aprove o projeto dos deputados, uma barragem de rejeitos como a de Brumadinho (MG) seria aprovada com uma autodeclaração do empreendedor feita pela internet, como se fosse uma simples declaração de imposto de renda.
Além de dezenas de entidades ambientalistas, manifestaram-se contra a votação do projeto associações nacionais que representam os membros do Ministério Público de Meio Ambiente, dos servidores de órgãos ambientais (Ascema), das entidades ambientais de estados e municípios (Abema e Anamma), antropólogos e arqueólogos, cientistas reunidos na SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), ex-ministros do Meio
Ambiente e movimentos do campo, como o MST, a Articulação Semiárido Brasileiro e a Associação Brasileira de Reforma Agrária.
As críticas só foram possíveis porque o texto do relator foi vazado. Uma nota assinada por dezenas de ONGs ambientalistas registra que o texto colocado em votação não ficou disponível ao público.
O texto permite que estados e municípios definam seus próprios critérios sobre quais empreendimentos precisam de licença, o que pode gerar competição pela desregulamentação. Há, por outro lado, um ataque ao pacto federativo ao se dispensar a apresentação da certidão de uso do solo emitida pelos municípios.
O projeto dispensa avaliações que poderiam apontar impactos ambientais e sociais, assim como a consulta a indígenas e quilombolas e a gestores de unidades de conservação indiretamente afetadas pelos empreendimentos.
As dispensas de licenciamentos para mineração, hidrelétricas, linhas de transmissão, estradas, agropecuária e estações de tratamento de água e esgoto dão dicas dos setores ouvidos pelos deputados, que construíram o texto a portas fechadas.
Agora cabe ao Senado abrir audiências públicas para ouvir uma realidade socioambiental e econômica mais complexa do que aquela que pauta os deputados ligados ao agro, ao centrão e à base do governo. Ao abrir as portas para ouvir o país, os parlamentares terão a chance de entender que a segurança ambiental é garantidora —e não entrave — do desenvolvimento econômico.