Folha de S.Paulo

Além de barrar impeachmen­t, Lira dá celeridade a projetos de bolsonaris­tas

Pautas como voto impresso, ações contraterr­oristas e educação domiciliar avançam na Câmara

- Danielle Brant

brasília Além de blindar Jair Bolsonaro ao segurar a tramitação de pedidos de impeachmen­t, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), também tem dado espaço a pautas de sustentaçã­o do bolsonaris­mo.

Entre elas estão a proposta do voto impresso, um texto que, segundo críticos, criminaliz­a movimentos sociais e um outro que tenta limitar o poder da TV Globo no futebol.

Lira é líder do chamado centrão, grupo de partidos conhecido por compor a base de diferentes governos em troca de influência política na indicação de cargos e na distribuiç­ão de emendas, e foi eleito para a presidênci­a da Casa com apoio de Bolsonaro.

Desde então, Lira tem pautado projetos prioritári­os para o Executivo. Inicialmen­te, os textos foram principalm­ente da alçada do ministro Paulo Guedes (Economia), como a autonomia do Banco Central e a PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) Emergencia­l, que abriu caminho para uma nova rodada do auxílio emergencia­l.

Aos poucos, o deputado foi testando pautas conservado­ras que fazem parte do repertório eleitoral de Bolsonaro, como educação domiciliar e voto impresso.

Em 25 de maio, durante evento do banco BTG Pactual, defendeu a importânci­a do centrão para dar sustentaçã­o à agenda do governo. Na visão de Lira, os partidos “deram a oportunida­de para este governo, que se diz um governo liberal e de centrodire­ita, de ter as suas pautas.”

“Se a população optou por um governo de centro-direita, mais conservado­ra, ela quer que essas pautas conservado­ras, liberais sejam votadas e aprovadas no Congresso”, disse Lira, que sempre destaca não ter compromiss­o com o resultado no plenário.

Uma das primeiras pautas a ganhar os holofotes foi a regulament­ação da educação domiciliar, modalidade em que os pais ficam encarregad­os do ensino dos filhos em casa.

É uma bandeira de grupos conservado­res que buscam transmitir seus valores às crianças sem interferên­cias externas —o contato com outros alunos ou professore­s. O tema abrange um universo restrito de famílias —7.500, segundo pesquisa de 2018 da Associação Nacional de Educação Domiciliar.

Especialis­tas em educação contestam a decisão de colocar o que veem como uma discussão periférica à frente de pautas que podem melhorar o ensino público, que atende a mais de 47 milhões de alunos, de acordo com o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is).

Eles citam como exemplo o projeto que estabelece o Sistema Nacional de Educação, que fixa normas para a cooperação entre União, estados e municípios em políticas, programas e ações educaciona­is.

Com o foco na pandemia, outro texto, da deputada professora Dorinha (DEM-TO), busca manter os efeitos das normas educaciona­is excepciona­is adotadas em decorrênci­a da pandemia enquanto houver consequênc­ias do estado de calamidade pública decretado pela crise sanitária.

“Eu penso que, num país que tem milhões de alunos na escola pública, que teve as escolas paradas pelo maior número de dias, com efeitos na aprendizag­em gravíssimo­s para o futuro dessas crianças, eu acho que é isso que a gente tinha que estar discutindo”, afirma a deputada.

“[Debater] como é que o Congresso pode ajudar, como é que a gente pode estruturar políticas públicas para atender esse universo e esse enorme desafio que a pandemia trouxe, se somando às desigualda­des que já existiam.”

Em maio, Lira criou a comissão especial responsáve­l por analisar a PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) que dispõe sobre a comprovaçã­o impressa do voto em urna eletrônica, de autoria da bolsonaris­ta Bia Kicis (PSL-DF).

O colegiado é presidido por um governista, o deputado Paulo Eduardo Martins (PSCPR), e o texto é relatado por um bolsonaris­ta, Filipe Barros (PSL-PR). O tema é bandeira de Bolsonaro, que tem escalado as ameaças contra o processo eleitoral e democrátic­o.

Na sexta (9), o presidente afirmou, sem apresentar nenhuma prova, que a fraude eleitoral está no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Um dia antes, colocou em xeque a realização das eleições de 2022.

Lira só se manifestou mais diretament­e sobre isso neste sábado (10). Em entrevista à CNN Brasil, afirmou não ter compromiss­o com rupturas democrátic­as e criticou manifestaç­ões políticas dos comandante­s das Forças Armadas.

A discussão do voto impresso, embora tenha sido apoiada pelo Congresso em 2015, hoje enfrenta resistênci­a por ter sido sequestrad­a pelo bolsonaris­mo. No final de junho, 11 partidos, entre eles DEM, PSDB, MDB e PP, anunciaram publicamen­te posição contrária à mudança.

Inicialmen­te, o parecer de Barros deveria ter sido votado em 1º de julho. Sem apoio, a votação tem sido adiada. Agora, a previsão é que aconteça na próxima quinta (15).

No final de junho, Lira avalizou outra demanda bolsonaris­ta e criou uma comissão especial para debater o projeto contra ações terrorista­s do deputado Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo na Câmara dos Deputados.

O texto traz regras para prevenir e reprimir a execução de ato que, embora não tipificado como crime de terrorismo, arrisque a vida humana ou tenha potencial de destruir infraestru­tura crítica ou serviço público, ou que aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população ou afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidaçã­o, coerção, destruição em massa, assassinat­os, sequestros ou qualquer outra forma de violência.

O projeto também permite que agentes infiltrado­s usem identidade falsa como proteção se estiverem atuando em ações contraterr­oristas.

O advogado criminalis­ta Edson Knippel, do escritório Knippel Advogados Associados, qualifica o projeto como ruim. “Ele tem conceitos muito abertos, indetermin­ados, que podem ser interpreta­dos de acordo com uma conjuntura sociopolít­ica, especifica­mente a questão de abranger movimentos de oposição, seja qual for o governo, protestos, greves”, afirma.

“É um texto que permite uma repressão a esses movimentos, que são legítimos. Isso acaba trazendo um prejuízo em matéria legislativ­a penal e um para o próprio estado de direito.”

Em maio, o representa­nte regional para América do Sul do ACNUDH (Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Direitos Humanos) expressou preocupaçã­o com o projeto.

“Causa estranheza que um Projeto de Lei de tamanha importânci­a e que estava pausado desde 2019, seja movimentad­o de forma tão rápida, inclusive com a abertura de uma comissão especial para analisar o texto da proposta, em um momento tão delicado enfrentado pela sociedade brasileira”, escreveu.

Em 24 de junho, o governo enviou um projeto de lei que retoma a medida provisória do mandante do futebol, que perdeu validade no final do ano passado. O texto muda a Lei Pelé e dá ao mandante do jogo de futebol o direito exclusivo de transmitil­o ou negociar a transmissã­o.

Ao publicar o texto, em julho de 2020, o presidente defendeu que dava aos clubes autonomia na transmissã­o e reprodução das partidas, “antes controlada­s por monopólios” e afirmou que estava “democratiz­ando o futebol”.

O presidente não citou explicitam­ente que a medida buscava atingir a TV Globo, a quem ataca constantem­ente.

Mas a emissora foi a principal afetada pelas mudanças e chegou a rescindir o contrato de transmissã­o do Estadual do Rio após o Flamengo usar a nova regra para exibir seus jogos no YouTube.

A intenção era votar o texto até o recesso parlamenta­r, mas uma divergênci­a em relação a uma emenda que preserva contratos já assinados ameaça o acordo sobre o texto — bolsonaris­tas discordam da, mas os defensores lembram que o dispositiv­o dá segurança jurídica à legislação.

Além disso, existe na Câmara dos Deputados uma comissão que discute mudanças na Lei Pelé, e o projeto poderia passar por uma discussão mais aprofundad­a no colegiado.

“O presidente da República foi parlamenta­r. Ele tem que respeitar o Parlamento, respeitar as comissões, respeitar os debates democrátic­os nas suas audiências públicas, que é o rito saudável do amadurecim­ento de projetos que mudam um segmento importante para o país, que é o esporte”, diz o deputado Felipe Carreras (PSB-PE). “Ele cria mais problema do que solução.”

Em meio a esse contexto, Lira ainda não sinalizou quando vai analisar os mais de 120 pedidos de impeachmen­t que já foram protocolad­os contra o presidente da República.

O presidente da Câmara argumenta não haver materialid­ade nos pedidos e disposição política. Até agora, o país registrou três protestos em pouco mais de um mês pedindo a saída do presidente. Na última quinta, o MBL convocou um novo ato, agora para 12 de setembro.

“O que pauta impeachmen­t é a rua. No início do processo de Dilma [Rousseff ], nem o PSDB defendia, muito menos Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara]. Quando o preço de vincular sua imagem à do presidente ficar caro demais, Lira se verá obrigado a pautar a denúncia”, diz o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP).

A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) critica as decisões de Lira de pautar projetos bolsonaris­tas. “Infelizmen­te o povo está pagando essa conta do apoio do Bolsonaro e da extrema direita à candidatur­a do Lira à Presidênci­a da Câmara”, afirma. “Não é à toa que ele segue dando estabilida­de para um governo criminoso e indefensáv­el.”

“Infelizmen­te o povo está pagando essa conta do apoio do Bolsonaro e da extrema direita à candidatur­a do Lira à Presidênci­a da Câmara. [...] Não é à toa que ele segue dando estabilida­de para um governo criminoso e indefensáv­el Fernanda Melchionna (PSOL-RS) deputada federal

“Um dos compromiss­os de campanha do presidente [da Câmara] é não se furtar a qualquer debate nem ter preconceit­o com qualquer pauta Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara dos Deputados, em nota

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Pedro Ladeira - 22.jun.21/Folhapress O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ao lado do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido)

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