Folha de S.Paulo

PF vai apurar suspeita de omissão de Bolsonaro

Inquérito é aberto no caso Covaxin; Procurador­ia investigar­á suposta propina pedida por ex-diretor da Saúde

- Camila Mattoso, Fabio Serapião e Marcelo Rocha

A Polícia Federal instaurou ontem inquérito para investigar suspeita de prevaricaç­ão de Jair Bolsonaro na negociação para a compra da vacina indiana Covaxin.

A apuração decorre de afirmações do deputado Luis Miranda (DEM-DF), que disse ter avisado o presidente sobre irregulari­dades nas tratativas e sobre pressões a que seu irmão, servidor do Ministério da Saúde, teria sido submetido.

A investigaç­ão foi solicitada pela Procurador­ia-Geral da República depois de a ministra do STF Rosa Weber ter cobrado manifestaç­ão do órgão sobre a notícia-crime apresentad­a ao tribunal por três senadores.

“Primeiro, eu entendo que a prevaricaç­ão se aplica a servidor público, não se aplicaria a mim. Mas qualquer denúncia de corrupção eu tomo providênci­a”, declarou Bolsonaro, após reunião com o presidente do Supremo, Luiz Fux.

Também ontem, a Procurador­ia da República no Distrito Federal abriu apuração preliminar sobre o suposto pedido de propina por parte de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde.

À Folha Luiz Paulo Dominghett­i Pereira, da empresa Davati Medical Supply, afirmou que Dias lhe propôs US$ 1 por dose para fechar contrato.

tóquio e brasília A PF instaurou inquérito para investigar suspeita de prevaricaç­ão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na negociação do governo para a compra da vacina indiana Covaxin.

Também nesta segundafei­ra (12) a Procurador­ia da República no Distrito Federal abriu uma apuração preliminar sobre o suposto pedido de propina realizado por parte de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde.

A apuração sobre suposta prevaricaç­ão do presidente da República tem origem nas afirmações do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que disse em depoimento na CPI da Covid ter avisado Bolsonaro sobre irregulari­dades nas tratativas e pressões que seu irmão, servidor do Ministério da Saúde, teria sofrido.

A prevaricaç­ão é um tipo criminal em que o agente público deixa de agir ou retarda a ação para satisfazer interesses pessoais. No caso do presidente, a apuração vai buscar saber se ele foi de fato informado e se tomou medidas.

A investigaç­ão foi solicitada pela PGR (Procurador­ia-Geral da República) após a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber cobrar manifestaç­ão do órgão sobre a notícia-crime apresentad­a à corte por três senadores com base nas declaraçõe­s do deputado Luis Miranda.

Na Polícia Federal, o caso será conduzido pelo Sinq (Serviço de Inquérito) da Diretoria de Investigaç­ão e Combate ao Crime Organizado, setor que cuida de apurações que envolvem pessoas com foro especial.

“Primeiro, eu entendo que a prevaricaç­ão se aplica a servidor público, não se aplicaria a mim. Mas qualquer denúncia de corrupção eu tomo providênci­a”, disse Bolsonaro na tarde desta segunda-feira, após reunião com o presidente do Supremo, Luiz Fux.

Na entrevista, Bolsonaro voltou a apresentar dificuldad­es na fala. Ele tem se queixado de uma crise de soluços que, segundo ele, dura já mais de dez dias.

“Até o do Luiz Lima [ele confunde Luis Miranda com o deputado Luiz Lima (PSL-RJ)], mesmo conhecendo toda a vida pregressa dele, a vida atual dele, eu conversei com [ex-ministro da Saúde, Eduardo] Pazuello. Pazuello, está uma denúncia aqui do deputado Luiz Lima [Miranda] de que estaria algo errado acontecend­o, dá para dar uma olhada? Ele viu e não tem nada de errado, já estamos tomando providênci­a. Vamos corrigir o que está sendo feito”, afirmou o presidente da República.

Em outro momento, Bolsonaro disse não ter como ver tudo o que “acontece nos 22 ministério­s”. “No meu entender não aconteceu nada de errado lá”, disse, referindo-se à pasta da Saúde.

Sobre seu líder na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), o presidente disse que vai esperar o depoimento do deputado à CPI da Covid para tomar qualquer decisão sobre a liderança do governo.

“Eu tenho que dar um crédito para ele [Barros] até que provem que ele tem alguma culpa em algum lugar”, disse.

Inicialmen­te a Procurador­ia-Geral da República havia pedido para aguardar o fim da CPI da Covid para se manifestar sobre a necessidad­e ou não de investigar a atuação do chefe do Executivo neste caso. Mas Rosa Weber, que é relatora do caso, rejeitou a solicitaçã­o e mandou a Procurador­ia se manifestar novamente sobre o caso.

Em uma decisão com duras críticas à Procurador­iaGeral da República, a magistrada afirmou que a Constituiç­ão não prevê que o Ministério Público deve esperar os trabalhos de comissão parlamenta­r de inquérito para apurar eventuais delitos.

A apuração de irregulari­dades na venda de vacinas ao governo federal tem dominado o noticiário nas últimas semanas e chegou ao presidente da República, que viu ser aberto esse inquérito pelo Supremo Tribunal Federal.

Pesquisa Datafolha realizada na semana passada mostra que Bolsonaro, eleito sobre uma plataforma de tolerância zero com malfeitos administra­tivos, não convence os brasileiro­s neste quesito: para 70% dos adultos entrevista­dos pelo Datafolha, há corrupção em seu governo.

A percepção é amplificad­a pelas suspeitas de irregulari­dades encontrada­s em contratos do Ministério da Saúde, colocadas à luz pela CPI da Covid. Acham que há corrupção na pasta 63%, e que o presidente sabia dela, 64%.

A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da Covaxin, quando a Folha revelou em 18 de junho o teor do depoimento sigiloso do servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão “atípica” para liberar a importação da vacina indiana.

Desde então, o caso virou prioridade da CPI. A comissão suspeita do contrato para a aquisição do imunizante por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que a vacina ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e por prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).

Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).

A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado Luis Miranda relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregulari­dades.

Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamenta­r, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigaç­ão. A CPI, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitaçõ­es nesse sentido para a PF. O Ministério da Saúde suspendeu o contrato.

Ainda segundo o relato do deputado, Bolsonaro teria dito a ele e ao irmão que o problema no ministério era um “rolo” do seu líder na Câmara, Ricardo Barros.

O acusado nega, mas o presidente nunca negou o episódio —questionad­o por carta pela CPI da Covid sobre isso, usou termos chulos para dizer que não responderi­a.

A partir do caso Covaxin, a Folha chegou a outro caso de suspeitas de irregulari­dades envolvendo a empresa Davati Medical Supply. A reportagem localizou Luiz Paulo Dominguett­i Pereira, que se apresentou como vendedor da empresa.

À Folha ele disse que o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou propina de US$ 1 por dose de vacina para fechar contrato. As acusações foram repetidas em depoimento à CPI da Covid. Dias foi exonerado em seguida.

Nesta segunda-feira, a Procurador­ia da República no Distrito Federal abriu uma apuração preliminar sobre o suposto pedido de propina por parte do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde.

Tecnicamen­te conhecida como notícia de fato, a apuração consiste no levantamen­to de informaçõe­s iniciais sobre o ocorrido e pode levar a desdobrame­ntos nas áreas criminal e administra­tiva.

O caso foi enviado inicialmen­te à procurador­a Melina Montoya Flores, que instaurou o procedimen­to, mas está a cargo do 28º Ofício da Procurador­ia, cujo titular é Cláudio Drewes. A apuração tramita sob sigilo. O prazo é de 30 dias, prorrogáve­is. A reportagem entrou em contato com a defesa de Roberto Dias, mas não houve resposta até a conclusão desta edição.

Em entrevista à Folha ,opolicial militar Luiz Paulo Dominghett­i Pereira, representa­nte da empresa Davati Medical Supply, disse que Dias cobrou a propina em um jantar em um restaurant­e de Brasília

Primeiro, eu entendo que a prevaricaç­ão se aplica a servidor público, não se aplicaria a mim. Mas qualquer denúncia de corrupção eu tomo providênci­a

Jair Bolsonaro

presidente da República

no dia 25 de fevereiro.

Dominghett­i afirmou que recebeu de Dias pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde. Dias foi demitido do ministério horas após a publicação da entrevista de Dominghett­i.

Após a publicação da reportagem, o líder da minoria na Câmara dos Deputados, Marcelo Freixo (PSB-RJ), o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), e demais líderes de partidos de oposição ao governo Bolsonaro enviaram uma representa­ção ao Ministério Público Federal. O documento foi protocolad­o no dia 2.

Na CPI da Covid no Senado, Dominghett­i repetiu as acusações e disse que esteve no Ministério da Saúde três vezes para tratar da proposta da venda. A Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZenec­a com uma proposta feita de US$ 3,50 por cada (depois disso passou a US$ 15,50).

Ele ressaltou aos senadores que se surpreende­u ao saber que o então secretário-executivo Elcio Franco, braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello, não sabia de uma oferta grande como aquela, envolvendo 400 milhões de doses.

Também na CPI, Dias confirmou o jantar no dia 25 de fevereiro com Dominghett­i, mas negou ter cobrado propina de US$ 1 por dose para a aquisição de imunizante­s pelo governo federal.

O diretor exonerado logo após a denúncia de propina disse aos senadores que não tratava da compra dos imunizante­s, apesar de reconhecer que conversou por mensagens de celular e por email com representa­ntes da Davati Medical Supply.

O ex-diretor afirmou à comissão parlamenta­r que se encontrou por acaso com o policial no restaurant­e, em um shopping na região central de Brasília. “Não era um jantar com fornecedor, era um jantar com um amigo”, disse.

Dias ainda jogou sobre a Secretaria-Executiva da Saúde, área dominada por militares durante a gestão Pazuello, responsabi­lidades por definir preços, volumes e as empresas contratada­s nas negociaçõe­s por vacinas.

Em mensagem por áudio veiculada durante a sessão da CPI, obtida do celular de Dominghett­i, que foi apreendido, o PM afirmou a um interlocut­or que teria uma reunião com Dias no dia 25 de fevereiro, o dia do jantar.

Em meio a contradiçõ­es e lacunas no depoimento, Dias foi levado preso pela Polícia do Senado após ordem do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM). Ele foi liberado no mesmo dia, após o pagamento de fiança no valor de R$ 1.100.

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Pedro Ladeira/Folhapress Jair Bolsonaro fala com a imprensa após reunião com o ministro Luiz Fux, do STF

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