Folha de S.Paulo

Fux encontra presidente e acerta reunião entre Poderes

Ministro do STF diz que encontro entre os chefes dos Três Poderes servirá para dar balizas sólidas à democracia

- Marcelo Rocha e Ricardo Della Coletta

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, reuniu-se ontem com Jair Bolsonaro e afirmou que ficou definida uma reunião entre os chefes dos três Poderes, ainda sem data marcada, com o objetivo de fixar “balizas sólidas para a democracia brasileira”.

O anúncio ocorre ante aumento da tensão com o Judiciário e o Legislativ­o pela retórica golpista do chefe do Executivo, que tem repisado o discurso de as eleições não ocorrerem se não houver um sistema que ele considera confiável —no caso, o voto impresso.

“Esperava contar com mais gente importante do meu lado. Lamentavel­mente, muita gente importante, aí, boicota Jair Bolsonaro presidente da República

brasília O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, se reuniu nesta segunda-feira (12) com Jair Bolsonaro e afirmou, após o encontro, que acertou com o presidente da República uma reunião entre os chefes dos Três Poderes.

O anúncio ocorre após uma intensific­ação na retórica golpista do chefe do Executivo, que vem repetindo que as eleições de 2022 podem não ocorrer caso não exista um sistema eleitoral confiável —segundo ele, o voto impresso.

Fux não mencionou data para a reunião entre os Poderes, mas disse que ela servirá para fixar “balizas sólidas para a democracia brasileira, tendo em vista a estabilida­de do nosso regime político”.

O presidente do Supremo Tribunal Federal afirmou que a ele compete chamar o presidente da República para dialogar. “[Foi um encontro] para debatermos o quão importante para a democracia brasileira é o respeito às instituiçõ­es e aos limites impostos pela Constituiç­ão Federal.”

“O presidente entendeu”, disse o magistrado, destacando que Bolsonaro puxou um “momento evangélico”, rezou um pai-nosso e falou em perdão.

Ao deixar a corte, Bolsonaro conversou com a imprensa. Afirmou que não foi a primeira vez que atendeu a um chamado do presidente do Supremo Tribunal Federal e que foi discutida “a relação entre Executivo e Judiciário”.

“Reconhecem­os que nós dois temos limites e esses limites são definidos pelas quatro linhas da Constituiç­ão”, disse o chefe do Executivo. “Estamos perfeitame­nte alinhados, respeitoso­s para com a Constituiç­ão. Cada um se policia dentro do seu Poder no tocante aos limites.”

Bolsonaro afirmou que ele e demais integrante­s do Poder Executivo não pretendem transgredi­r esses limites. “Eu sou Jairzinho paz e amor.”

O clima entre os Poderes ficou mais tenso no último fim de semana, quando emissários do Palácio do Planalto fizeram chegar ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a irritação de Bolsonaro com as declaraçõe­s feitas pelo senador.

Pacheco disse na sexta-feira (9) que não aceitará retrocesso­s à democracia do país e que quem agir nessa direção será considerad­o inimigo da nação. Ele sinalizou a interlocut­ores que não pretende recuar da posição que tomou.

Também na sexta, o ministro do STF e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, disse que qualquer tentativa de impedir a realização de eleições em 2022 “configura crime de responsabi­lidade”.

No sábado (10), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), afirmou em uma entrevista que não tem compromiss­o com intentos antidemocr­áticos e criticou manifestaç­ões políticas de comandante­s militares.

Nesta segunda, Bolsonaro reconheceu ter um problema com Barroso. “Ele está tendo um ativismo legislativ­o que não é concebível na questão do voto impresso. Nada além disso.”

Nos últimos dias, Bolsonaro insultou Barroso, chamando-o de idiota e imbecil. Também disse que as eleições de 2022 podem não ocorrer caso não seja adotado uma modalidade de voto confiável —na visão dele, o impresso.

Bolsonaro alegou mais uma vez ter indícios de fraude na eleição presidenci­al de 2014, apesar de o próprio derrotado no segundo turno daquele ano, o hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), ter declarado não acreditar que tenha existido essa irregulari­dade naquela disputa.

O mandatário também já afirmou —sem provas— que houve fraude na eleição de 2018, quando ele derrotou Fernando Haddad (PT). A alegação de Bolsonaro é que ele teria recebido mais votos do que os que foram computados. Ele nunca apresentou evidências dessa acusação.

Diante das alegações sem fundamenta­ção, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, o ministro Luís Felipe Salomão, deu 15 dias para que Bolsonaro apresente as provas que diz ter sobre a suposta fraude no sistema eletrônico de votação em 2018.

Nesta segunda, Bolsonaro disse ter pedido à Justiça Eleitoral “um prazo um pouquinho maior” para que um suposto especialis­ta que ele diz conhecer faça uma apresentaç­ão sobre as evidências.

O presidente também baixou o tom na ameaça de não realizar eleições no ano que vem caso não seja implementa­do o voto impresso.

Questionad­o sobre sua fala recente, quando disse “ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, Bolsonaro recuou e apresentou uma justificat­iva.

“O não tem eleição é porque vai ser algo fraudado, eleição existe quando as coisas são sérias”, disse o presidente.

Em seguida, afirmou que, caso não haja um sistema de votação impressa, que ele chama de auditável, passará a “bater na tecla da contagem pública dos votos”.

Mais cedo nesta segundafei­ra, Bolsonaro disse ser alvo de boicote de “gente importante”.

“Os problemas fazem parte. Sabia que ia ser difícil, mas esperava contar com mais gente importante do meu lado. Lamentavel­mente, muita gente importante, aí, boicota”, disse o presidente a apoiadores na porta do Palácio da Alvorada.

A interação foi gravada e transmitid­a por um canal na internet simpático ao presidente da República.

Nesta segunda-feira, oito ex-procurador­es-gerais eleitorais divulgaram nota para defender as urnas eletrônica­s e afirmar que as “insinuaçõe­s” sobre falhas no sistema devem ser “repelidas”.

“A democracia brasileira, reerguida pela sociedade civil e pelas instituiçõ­es públicas, tem se beneficiad­o intensamen­te da atuação do sistema de justiça eleitoral, com especial destaque para as urnas eletrônica­s, que operam com absoluta correção, de modo seguro e plenamente auditável”, afirmaram.

O documento foi endossado por Raquel Dodge (2017-2019), Rodrigo Janot (2013-2017), Roberto Gurgel (2009-2013), Antonio Fernando de Souza (2005-2009), Cláudio Fontelles (2003-2005), Aristides Junqueira (19891995), Sepúlveda Pertence (1985-1989) e Inocêncio Mártires Coelho (1981-1985).

A ANPR, entidade que representa os procurador­es da República, também se manifestou acerca das declaraçõe­s sobre o processo eleitoral proferidas por Bolsonaro.

“Afirmações que pretendam criticar o sistema eleitoral não podem se basear em suposições, em alegações genéricas e sem provas”, disse a nota da associação.

“A discussão acerca do modelo de votação jamais pode ocorrer em um ambiente de ameaças sobre a própria realização das eleições, pois isso violaria a Constituiç­ão e o próprio regime democrátic­o.”

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Pedro Ladeira/Folhapress O presidente Jair Bolsonaro deixa o STF após manter uma reunião com o presidente do tribunal, ministro Luiz Fux
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