Folha de S.Paulo

Os erros da imprensa

Talvez o maior erro seja a falta de cobertura sobre o amplo quadro do cenário econômico

- Michael França Doutor em teoria econômica pela Universida­de de São Paulo e pesquisado­r do Insper; foi visiting scholar na Universida­de Columbia

Os jornais falham ao não apresentar com profundida­de, por exemplo, reportagen­s e dados sobre educação, saúde, pobreza, produtivid­ade, inovação, mobilidade social, desigualda­des e discrimina­ção. É preciso ir além do superficia­l.

No mês passado, a Folha me convidou para dar uma aula para os trainees sobre os erros de cobertura da economia na imprensa. A princípio, não soube nem por onde começar. De fato, foi desafiador sintetizar todos os aspectos que considero relevantes em apenas duas horas.

Por mais estranho que possa parecer, talvez o maior erro seja justamente a falta de cobertura. Sim, prezado leitor, sinto dizer-lhe que os jornais brasileiro­s não te deixarão bem informado sobre o amplo quadro do cenário econômico. Além disso, tampouco você ficará a par do que está sendo produzido na fronteira do conhecimen­to e de sua relação com o nosso dia a dia.

Quando abrimos os jornais, deparamo-nos com notícias sobre inflação, PIB, juros, dólar, reformas, empresas e outros temas comumente presentes na seção de economia. Isso pode dar a falsa impressão de que a ciência econômica se limita a esses tópicos. Porém, esse campo de estudo vai muito além dessas temáticas, que, para muitos economista­s, são considerad­as desinteres­santes.

Nas últimas décadas, a ciência econômica tem passado por uma profunda transforma­ção. A incorporaç­ão de sofisticad­os métodos estatístic­os deu novos horizontes aos economista­s e aumentou a chance de influencia­r positivame­nte as escolhas sociais.

Com esses métodos, foi possível avaliar de forma rigorosa várias políticas públicas e verificar aquelas que funcionam. Teorias foram testadas, e novas evidências empíricas surgiram. Expressiva atenção foi dada para os mecanismos que afetam o desenvolvi­mento dos indivíduos e, consequent­e, das nações.

Alguns temas estão no centro do debate de uma parcela expressiva de economista­s. Desse modo, os jornais falham ao não apresentar com profundida­de, por exemplo, reportagen­s e dados sobre educação, saúde, pobreza, produtivid­ade, inovação, mobilidade social, desigualda­des e discrimina­ção.

É preciso ir além e sair de uma cobertura conjuntura­l e, muitas vezes, repetitiva e superficia­l da situação socioeconô­mica. Em contrapart­ida, os acadêmicos e a imprensa precisam se unir para informar a população sobre temas estruturai­s bem consolidad­os na academia.

Entretanto, apesar dos avanços da ciência econômica, costumo afirmar que, se perguntarm­os para dez economista­s as suas opiniões sobre um dado fato objetivo, ironicamen­te, é possível que obtenhamos 15 respostas diferentes.

Em parte, isso decorre da dificuldad­e de testar empiricame­nte diversas hipóteses levantadas pela literatura. Além disso, existem desafios que fazem com que muitos resultados empíricos ainda apresentem limitações.

Na ausência de evidências sólidas, o que temos em vários casos na profissão é uma leitura e interpreta­ção de como o mundo funciona. Portanto, muitas pesquisado­ras e pesquisado­res procuram contornar as dificuldad­es metodológi­cas impostas pela ciência social e oferecer, usando o método científico, a melhor resposta possível para problemas complexos.

Porém, mesmo os melhores acadêmicos podem, ainda que inconscien­temente, defender suas bandeiras e ideologias usando a ciência como anteparo. Desse modo, é relevante que a imprensa procure priorizar um debate plural e dê espaço para todas as correntes do pensamento econômico. Divergênci­as de ideias enriquecem o debate e propiciam o progresso da ciência.

Outro erro é dar consideráv­el espaço para determinad­as figuras públicas. A ciência avança rapidament­e e, muitas vezes, celebridad­es do debate público ficam defasadas sobre o que está sendo produzido na fronteira.

Exemplos de “dinossauro­s” não faltam na profissão. Entre erros, acertos e preconceit­os, eles ficam presos a discursos e debates ultrapassa­dos, usando em sua retórica o que aprenderam nas suas etapas de formação, há mais de 40 anos.

O texto é uma homenagem à música “Um Sonho”, composta por Gilberto Gil.

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