Folha de S.Paulo

A ordem dos fatores

Governador gay ou gay governador, gesto de Eduardo Leite ajuda a derrubar preconceit­os

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Sobre reações a governador que se declarou gay.

Há poucos dias, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), declarou-se homossexua­l. A afirmação tem gerado reações variadas —inclusive porque Leite, além de nome ventilado para concorrer à Presidênci­a em 2022, na faixa da chamada terceira via, apoiou o candidato Jair Bolsonaro no segundo turno do pleito de 2018.

Críticos à esquerda, ligados ou não à militância LGBTQIA+, viram no anúncio do tucano uma espécie de manobra midiática para tornálo mais palatável a setores liberais do eleitorado. O governador estaria, por esse ponto de vista, sendo oportunist­a ao revelar o que seria um segredo de polichinel­o.

Além disso, a adesão ao notório homofóbico Bolsonaro seria prova de hipocrisia ou descomprom­isso com a agenda de direitos dos homossexua­is. O fato de Leite ter estabeleci­do distinção entre ser um governador gay e um gay governador também contribuiu para questionam­entos sobre até que ponto ele se engajaria em tais demandas.

Esse tipo de crítica, muitas vezes em tom sectário e ressentido, não foi bastante para acobertar o gesto corajoso e significat­ivo do político, que mereceu amplos elogios.

Num ambiente ainda contaminad­o por preconceit­os e mesmo ameaças de agressões, um ocupante de cargo tão proeminent­e vir a público assumir sua homossexua­lidade é motivo de aplauso.

O episódio convida a uma reflexão menos acalorada sobre a relação entre orientação sexual e opções político-ideológica­s.

A aproximaçã­o nas últimas décadas de movimentos identitári­os com a esquerda e a explicitaç­ão de uma pauta homofóbica por áreas radicais de direita acabaram por reforçar uma divisão que, na realidade, não é tão esquemátic­a.

Pesquisa Datafolha de 2018 mostrou que expressivo­s 29% dos eleitores que se diziam gays tinham a intenção de votar em Bolsonaro.

Muitos indivíduos LGBTQIA+ são favoráveis a valores não associados aos programas de esquerda e consideram mais relevantes certas pautas, como o combate à corrupção, do que a interferên­cia do Estado em questões sexuais e de gênero. Não é demais lembrar, também, que diversos regimes de esquerda perseguira­m homossexua­is.

A despeito de atritos e contradiçõ­es, o mundo assiste a um alvissarei­ro avanço no reconhecim­ento dos direitos da comunidade LGBTQIA+, para o qual atos de transparên­cia, como o do governador gaúcho, sem dúvida contribuem.

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