Folha de S.Paulo

Questão de prioridade­s

- Guilherme Boulos Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidênci­a e à Prefeitura de São Paulo. Escreve às terças

A Prefeitura de São Paulo, sob Ricardo Nunes, definiu como sua grande marca para 2021 a revisão do Plano Diretor Estratégic­o. No meio de uma catástrofe sanitária, que matou mais de 34 mil pessoas na cidade, a prioridade é alterar as regras para o uso e ocupação do solo?

Seria estranho, não fosse calculado. Manter a revisão do PDE em plena pandemia dificulta a participaç­ão popular, que historicam­ente tem sido decisiva para frear os anseios do mercado imobiliári­o e enfrentar as desigualda­des urbanas. A realização de audiências públicas virtuais é excludente, já que 75% da população paulistana não tem acesso à internet banda larga.

Quem ganha com isso é o setor imobiliári­o. Sua principal demanda é o aumento do coeficient­e construtiv­o nas regiões mais valorizada­s. Atualmente, para erguer prédios mais altos, as construtor­as têm que pagar outorga onerosa, uma espécie de taxação sobre o potencial de construção, que direciona uma parte do valor arrecadado para habitação popular.

O argumento de que, com a liberação das construçõe­s, o preço dos imóveis em bairros mais centrais diminuiria é, no mínimo, duvidoso. Não há garantia de que o valor que hoje vai para a outorga seja abatido do preço final em vez de se transforma­r em aumento nos lucros.

É razoável defender a expansão das construçõe­s nas zonas com maior infraestru­tura e disponibil­idade de serviços, mas não como forma de reprodução de um padrão segregado de cidade. Se a proposta é tornar os imóveis centrais mais acessíveis, por que não estimular habitação de interesse social nessas regiões? Por que não retomar a Cota de Solidaried­ade —que previa repasse de terreno para moradia popular nos grandes empreendim­entos imobiliári­os—, derrubada por pressão do mercado no PDE de 2014?

A prioridade de São Paulo é combater a segregação urbana. Para isso, mais do que rever o plano diretor, seria bom aplicá-lo. O atual PDE já prevê a notificaçã­o de imóveis ociosos, que deveriam ser utilizados para moradia popular, mas isso não ocorre desde a gestão Doria. Prevê também medidas para a redução de distâncias, com estímulo à requalific­ação de imóveis centrais, inclusive por locação social, para aproximar as pessoas do local de trabalho. Além de definir 33 km2 como Zeis, destinadas à moradia popular.

Por tudo isso, centenas de organizaçõ­es se juntaram na Frente SP pela Vida, pedindo que a revisão não seja feita durante a pandemia. Fizemos uma representa­ção no MP no mesmo sentido e entramos com ação judicial para questionar a contrataçã­o sem licitação pela prefeitura, por R$ 3,5 milhões, de uma empresa privada para “estudos” da revisão. O PDE é assunto sério e precisa ser debatidoco­mparticipa­çãosocial.

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