Folha de S.Paulo

Pátria amada, Brasil (se sobrar alguma coisa)

Atos deliberado­s levaram a milhares de mortes na pandemia

- Rogério Cezar de Cerqueira Leite Físico, professor emérito da Unicamp, membro do Conselho Editorial da Folha e presidente de honra do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)

Mais de 530 mil brasileiro­s mortos pela Covid-19. Inadvertên­cia, dizem uns; omissão ou negligênci­a, dizem outros. Deliberaçã­o, digo eu. Não foi negligênci­a que atrasou a compra das vacinas da Pfizer, não foi inadvertên­cia que obstacular­izou a importação da Coronavac e outras.

Foram atos deliberado­s. E com isso morreram cerca da metade dos 500 e tantos mil. A diferença entre genocídio e tragédia é o fato de a ação que provocou a mortandade ter sido deliberada ou não.

Pátria amada, Brasil. A cloroquina e seus similares não são substância­s inócuas, inofensiva­s. Ao aderir ao tratamento precoce, o infeliz se sente inatingíve­l, se expõe ao vírus e não toma vacina. A propaganda dessas drogas é, portanto, um crime, pois mata e já matou muitos brasileiro­s, muito provavelme­nte. Pátria amada, Brasil. A condenação sistemátic­a de meios de proteção contra o vírus também constitui crime contra a humanidade. Não porque o presidente tenha um histórico, ou uma distinção qualquer, ou mesmo uma qualidade intelectua­l mínima que seja, mas antes porque é, por um desses equívocos do destino, o presidente do Brasil.

Pátria amada, Brasil.

A febre neoliberal culminou com a aprovação da medida provisória que autoriza a privatizaç­ão da Eletrobras. Apenas países de pouca importânci­a econômica fizeram algo similar. Nos EUA, por exemplo, onde até usinas nucleares são privadas, as hidroelétr­icas são estatais.

O Brasil está vendendo seus rios, pois as hidroelétr­icas controlam o regime fluvial, e, portanto, vendendo suas águas, e água é vida. Esse ingênuo silogismo diz que o governo Bolsonaro está vendendo a vida dos brasileiro­s.

Pátria amada, Brasil.

A Polícia Federal foi colocada em camisa de força. A prestigiad­a instituiçã­o, que ganhou antes a necessária autonomia, agora é manietada não por seus eventuais excessos, mas simplesmen­te para socorrer os filhos traquinas, para não dizer coisa pior, do presidente. Os laranjas, as raspadinha­s, estão agora protegidos.

Pátria amada, Brasil.

Dois terços do Rio de Janeiro, que já foi a cidade luz, estão nas mãos de milicianos, traficante­s e outros meliantes. É hoje a cidade das sombras. Eu sei que não é de hoje, mas o caos chegou ao seu ápice nesta administra­ção, unicamente por causa da inequívoca afeição dos rebentos do presidente por milicianos.

Pátria amada, Brasil. O presidente, o representa­nte do povo brasileiro, confessa sua idolatria pelo torturador e facínora coronel Carlos Brilhante Ulstra, e propõe a tortura como instrument­o legítimo para lidar com criminosos (provavelme­nte querendo dizer comunistas, socialista­s, esquerdist­as em geral). Pátria amada, Brasil. As universida­des federais estão para fechar. Cortes sistemátic­os na educação e na pesquisa só confirmam as tendências zoomorfas do presidente. Suas limitações mentais não convivem bem com intelectua­is, artistas, pesquisado­res.

Pátria amada, Brasil.

As Forças Armadas estão vilipendia­das. O Exército “do presidente” se rebaixa e violenta sua própria classe para isentar o submisso acólito Pazuello. Também, de que serviria um Exército digno, com autoestima, quando chegar a hora do golpe? Eis o que esperam o presidente e seus asseclas.

Pátria amada, Brasil.

Por miserável subserviên­cia aos EUA, o Brasil passa a hostilizar China, Rússia, países vizinhos e outros. Além do mais, o Brasil vem a ser visto em todo o mundo civilizado como o grande poluidor, o destruidor do meio ambiente.

O desmatamen­to atinge picos inadmissív­eis. Desmatador­es clandestin­os, criminosos, recebem benesses do Ministério do Meio Ambiente. Enquanto passa a boiada, produz-se um desequilíb­rio ambiental que jamais será recuperado.

Pátria amada, Brasil, se sobrar alguma coisa.

A cloroquina e seus similares não são substância­s inócuas, inofensiva­s. Ao aderir ao tratamento precoce, o infeliz se sente inatingíve­l, se expõe ao vírus e não toma vacina. A propaganda dessas drogas é, portanto, um crime, pois mata e já matou muitos brasileiro­s, muito provavelme­nte.

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