Folha de S.Paulo

África do Sul vê onda de atos e saques após prisão de Zuma

Ao menos 6 pessoas morreram e 200 foram detidas desde ida de ex-líder à cadeia

- Lucas Alonso

BAURU (SP) Ao menos seis pessoas morreram e 219 foram presas durante os protestos e a onda de saques e de violência generaliza­da relacionad­os à prisão do ex-presidente da África do Sul Jacob Zuma.

Nesta segunda (12), o Exército do país anunciou o envio de tropas às ruas de duas das principais províncias para ajudar as forças de segurança locais a conter a escalada.

No fim de semana, milhares de pessoas foram às ruas em atos a favor de Zuma, concentrad­os principalm­ente na província de KwaZulu-Natal, onde o ex-presidente nasceu.

O órgão de inteligênc­ia do governo sul-africano divulgou comunicado em que diz ter intensific­ado o deslocamen­to de agentes para todas as áreas afetadas por protestos violentos, danos a propriedad­es e saques de lojas em KwaZulu-Natal e Gauteng, província que abriga a capital econômica do país, Joanesburg­o.

Segundo a agência, quatro corpos foram encontrado­s em Gauteng, e ao menos dois tinham marcas de ferimentos à bala. Outras duas mortes ocorreram em KwaZulu-Natal.

As manifestaç­ões se intensific­aram durante o fim de semana. No domingo (11), grupos marcharam pelas ruas de Joanesburg­o portando bastões, tacos de golfe e pedaços de madeira. De acordo com as autoridade­s, parte dos manifestan­tes quebrou vitrines e saqueou lojas de bebidas alcoólicas —a venda de álcool está proibida no país devido às restrições para conter a propagação do coronavíru­s.

Para um porta-voz da polícia de KwaZulu-Natal, os saques indicam que há “muitos criminosos ou indivíduos oportunist­as tentando enriquecer durante este período”, usando a agitação social como pretexto para roubar e causar danos. Atos semelhante­s foram registrado­s no sábado (10) em cidades como Katlehong, Alexandra e Jeppestown.

Em Durban, no leste do país, onde também houve uma série de ocorrência­s de saques e protestos, a sensação de inseguranç­a fez com que os moradores evitassem sair de casa, contou à Folha a jornalista Rehana Dada. De origem indiana, ela afirma que nunca se sentiu tão insegura na África do Sul quanto agora.

O temor é de que os atos evoluam para um conflito racial no país que viveu quase meio século sob um regime de segregação. Segundo Dada, é comum que, em momentos de agitação social como o atual, venham à tona comentário­s carregados de preconceit­o.

“Se as pessoas sentem que estão sendo atacadas, pode haver raiva de verdade [durante os protestos] e um sentimento de que a violência é justificad­a. É por isso que alguns de nós tememos que isso possa se tornar rapidament­e um ataque racial e xenofóbico”, diz a jornalista, acrescenta­ndo que negócios cujos donos são estrangeir­os parecem ter sido alvos preferenci­ais dos saqueadore­s em Durban.

Para ela, a detenção de Zuma pode até ter sido um gatilho para os protestos, mas o que se vê nas ruas agora transcende o ex-presidente. “Isso não é mais sobre Zuma, mas a prisão dele é uma desculpa convenient­e para provocar o caos. Não importa por que isso está acontecend­o, precisamos manter a paz e proteger as nossas comunidade­s.”

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa —que foi vice de Zuma—, disse no domingo que não há justificat­iva para a violência dos últimos dias e que os protestos violentos estão prejudican­do os esforços para a reconstruç­ão da economia do país em meio à pandemia de Covid-19.

Até esta segunda, a África do Sul registrava quase 2,2 milhões de casos e 62 mil mortes por coronavíru­s, segundo dados da Universida­de Johns Hopkins. A vacinação avança lentamente: só 6,38% dos mais de 59 milhões de habitantes receberam a primeira dose do imunizante, e 2,29%, as duas.

Zuma, 79, entregou-se às autoridade­s e passou a primeira noite na cadeia na semana passada, depois de ter sido condenado a 15 meses de prisão por desacato à Justiça —ele deixou de comparecer a audiências convocadas por uma comissão que investiga corrupção em seu governo.

A defesa de Zuma começou nesta segunda a apresentar sua contestaçã­o à decisão judicial. Durante audiência virtual, um advogado pediu ao tribunal que retirasse a pena de prisão com base em uma regra segundo a qual os julgamento­s podem ser reconsider­ados se feitos na ausência da pessoa afetada ou se contiverem erro. Para especialis­tas, as chances de sucesso desse argumento são mínimas.

Na última sexta, os advogados de Zuma já haviam sofrido uma derrota com a rejeição de um pedido de anulação da condenação com base na alegada saúde frágil do ex-presidente e no risco de contaminaç­ão por coronavíru­s. O juiz presidente da Suprema Corte de Pietermari­tzburgo indeferiu o pedido e afirmou que “as preocupaçõ­es do sr. Zuma sobre sua saúde não são apoiadas em nenhuma evidência”.

Zuma foi deposto da Presidênci­a em 2018, em uma ação orquestrad­a por aliados de Ramaphosa. O ex-presidente tem enfrentado acusações de crimes de corrupção cometidos antes e durante seu mandato.

Segundo as denúncias, Zuma teria embolsado mais de quatro milhões de rands (cerca de R$ 1,4 milhão, na cotação atual) em subornos pagos pela empresa francesa Thales, um dos grupos que ganhou um contrato com o governo da África do Sul avaliado em mais de US$ 3,3 bilhões (R$ 16,3 bilhões). Zuma nega qualquer irregulari­dade, mas até agora se recusou a cooperar com as investigaç­ões.

 ?? Yeshiel/Xinhua ?? Policiais sul-africanos participam de operação para conter protestos violentos e onda de saques em Joanesburg­o
Yeshiel/Xinhua Policiais sul-africanos participam de operação para conter protestos violentos e onda de saques em Joanesburg­o
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil