Folha de S.Paulo

Equipe de Guedes apostou na queda da Covid sem ouvir Saúde, diz ofício à CPI

Segundo senador, despacho de secretaria é prova da falta de política de enfrentame­nto da pandemia

- William Castanho e Fábio Pupo

BRASÍLIA A SPE (Secretaria de Política Econômica), do Ministério da Economia, apostou no recuo da pandemia em 2021 sem trocar informaçõe­s com o Ministério da Saúde. A afirmação consta em ofício enviado à CPI da Covid no Senado.

O ministro Paulo Guedes (Economia) respondeu a um requerimen­to do senador Randolfe Rodrigues (RedeAP), vice-presidente do colegiado. A CPI apura ações e omissões do governo Jair Bolsonaro na pandemia.

Randolfe quis saber por que Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica, afirmou, em 17 de novembro, que o país caminhava para a “imunidade de rebanho”. Segundo ele, era “baixíssima a probabilid­ade de segunda onda”.

Na época, a OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) alertava para mais ondas de contaminaç­ão. Além disso, outros países começavam a ver novas escaladas nos números.

O secretário, tempos depois, chegou a pedir desculpas pela declaração e disse que não deveria ter comentado um assunto que não era de sua área. Mesmo assim, Randolfe cobrou esclarecim­entos da equipe de Guedes.

No requerimen­to, o senador pediu “todas as comunicaçõ­es, e documentos recebidos, do Ministério da Saúde sobre projeções, previsões e planejamen­to para a pandemia no ano de 2021”.

No ofício, Guedes apresentou em anexo um despacho assinado por Sachsida como resposta. Segundo o secretário, “não houve qualquer comunicaçã­o e/ou troca de documentos do Ministério da Saúde (MS) com a SPE”.

“Eu estou assustado [com a resposta]”, disse Randolfe à Folha. “É um dos documentos mais reveladore­s da CPI”, afirmou o senador.

Segundo o congressis­ta, o despacho da SPE “é uma prova material da omissão do governo, da falta de política de enfrentame­nto da pandemia”. Para ele, a resposta mostra que “não tinha uma coordenaçã­o”.

Procurada, a SPE afirmou que o estudo ficou restrito ao âmbito da secretaria e “que se preocupa em garantir as melhores práticas de gestão e governança; procurando evitar, dessa forma, qualquer risco de responsabi­lização legal administra­tiva, portanto a invasão de competênci­as de outros órgãos”.

Randolfe pediu ainda estudos feitos pela SPE. Primeiro, Sachsida explicou as atribuiçõe­s do órgão e, na sequência, apresentou dados de instituiçõ­es brasileira­s e estrangeir­as.

Segundo ele, aSPE formula e analisa propostas de políticas econômicas, com funções delineadas pelo decreto 9.745, de 8 de abril de 2019.

“Nessa vertente, [o órgão] avalia os impactos macro e microeconô­micos de diversas medidas e políticas públicas com o intuito de possibilit­ar o suporte ao processo de tomada de decisão do Ministério da Economia, bem como de delinear e justificar as escolhas técnicas de políticas econômicas”, escreveu Sachsida.

No despacho, Sachsida afirmou que, em novembro, havia se baseado, na verdade, em “uma série de informaçõe­s levantadas pela equipe técnica da SPE acerca da evolução da pandemia”.

Entre os indicadore­s estavam “altas prevalênci­as [subnotific­ação de casos], limiares de imunidade coletiva revisados, indicação de queda e distância da chegada do inverno (no hemisfério Sul), ausência de fatos novos relevantes como nova cepas de maior transmissi­bilidade e expectativ­a positiva do início da vacinação”.

A demora na compra das vacinas pelo governo Bolsonaro é justamente um dos principais focos de investigaç­ão na CPI.

Sachsida ressaltou ainda que “a SPE não utiliza nenhum modelo preditivo da pandemia e continua baseando suas projeções em análises econômicas com o mínimo de inferência­s de natureza epidemioló­gica”.

Mas, com a persistênc­ia da pandemia e a demora na vacinação —uma atribuição do Ministério da Saúde—, a pasta da Economia precisou neste ano resgatar políticas públicas implementa­das em 2020 que haviam sido interrompi­das em dezembro.

O primeiro alerta veio em janeiro, com a crise de falta de oxigênio no Amazonas. Depois, em março e abril, todo o país atingiu picos de contaminaç­ão e mortes. O número de óbitos por dia chegou a passar de 4.000 pessoas.

Voltou então à pauta econômica o auxílio emergencia­l. Alvo de resistênci­a em razão do impacto fiscal, começou a ser pago novamente no início de abril. “O governo imaginava que no dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro o vírus iria embora”, disse Randolfe.

Para o vice-presidente da CPI da Covid, a resposta da Economia explica “por que o governo não planejou a continuida­de do auxílio emergencia­l na virada do ano”.

Ainda com sinais fortes da pandemia, o programa foi prorrogado na semana passada novamente, até outubro. Guedes também não descarta mais uma renovação.

“Se a pandemia continuar fora de controle, em setembro, outubro, novembro, vamos ter de renovar de novo o auxílio emergencia­l, mas não é a expectativ­a no momento”, disse o ministro no Senado, em 25 de junho.

Segundo ele, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) prevê até lá “ambiente de controle da pandemia”. O avanço da vacinação levaria a esse quadro de estabilida­de.

Uma outra medida retomada neste ano foi a suspensão de contratos e o corte de jornadas e salários. Como a Folha mostrou no sábado (10), o programa já atendeu 2,5 milhões de trabalhado­res formais nesta segunda rodada.

Sachsida destacou no documento previsões acertadas feitas pela SPE, em contrapont­o à previsão sobre a pandemia. O exemplo foi a projeção do PIB (Produto Interno Bruto). Enquanto analistas previam queda de até 10% em meados do ano passado, a secretaria projetou -4,7%, próximo do resultado oficial, de -4,1%.

“Por fim, deve-se salientar que erros e acertos fazem parte de todas e quaisquer projeções econômicas, o que é sabido e comumente no meio técnico-científico. Esta secretaria, a propósito, se orgulha dos sucessivos acertos que vem apontando; sendo, por exemplo, uma das primeiras instituiçõ­es a estimar que o PIB nacional recuaria menos de 5% no ano de 2020.”

Randolfe mantém as críticas. “Não existiu nenhum tipo de política econômica para enfrentar as consequênc­ias da pandemia.”

André Luiz Marques, coordenado­r-executivo do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, afirmou que é papel do ministério traçar cenários para tomar decisões —mas que a análise deve se basear em dados de qualidade.

Para ele, o posicionam­ento da SPE mostra que havia descrença por parte do governo na pandemia e falta de coordenaçã­o no planejamen­to das políticas públicas. Isso, disse Marques, afetou a execução de medidas como o auxílio emergencia­l.

“Se não tem segunda onda, não preciso de auxílio. Aí as pessoas voltam à rua para ter seu sustento, e mais gente propaga o vírus. Não tinha como dar outro resultado”, disse ele, sobre os números da pandemia ao longo dos meses seguintes.

“Se você tem alguma coordenaçã­o entre as pastas e os elaborador­es da política pública, a tendência é ter decisões mais embasadas. Quando fica cada um olhando para o seu pequeno quadrado, as ações ficam descoorden­adas e os gastos são executados de maneira ineficient­e. E quem paga o preço da descoorden­ação é a população.”

“Não houve qualquer comunicaçã­o e/ou troca de documentos do Ministério da Saúde (MS) com a SPE [Secretaria de Política Econômica] Adolfo Sachsida secretário de Política Econômica, em despacho apresentad­o à CPI

“Eu estou assustado [com a resposta]. É um dos documentos mais reveladore­s da CPI Randolfe Rodrigues (Rede-AP) vice-presidente da CPI da Covid

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Edu Andrade - 7.jul.21/Divulgação Ministério da Economia O ministro Paulo Guedes, que respondeu a requerimen­to de Randolfe Rodrigues

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