Folha de S.Paulo

Venda dos Correios deve seguir regra para universali­zação

Nos Estados Unidos, serviço público concorre com privado, e na Alemanha o Estado supervisio­na o serviço

- Paula Soprana

SÃO PAULO O governo deu mais um passo para privatizar os Correios com a entrega, na quinta (8), do projeto de lei que trata da desestatiz­ação ao ministro Fábio Faria, das Comunicaçõ­es. Ele afirmou pelas redes sociais que já avalia o texto com líderes no Congresso.

O projeto quebra o monopólio dos Correios para a entrega de cartas, telegramas e malotes, que ainda respondem por grande parte da receita da estatal —antes da pandemia, superava 40%.

Mesmo que o plano da equipe de Paulo Guedes, ministro da Economia, seja vender 100% da empresa, regras para universali­zação —a garantia de que correspond­ências cheguem a todo Brasil— devem constar na lei que irá regimentar o processo.

Estudo da consultori­a Accenture para o BNDES constatou que 10 de 11 países analisados têm leis claras para a universali­zação (a exceção são os Estados Unidos). A maioria também prevê aspectos da universali­zação em lei.

O estudo se baseou nos melhores sistemas postais, segundo a União Postal Universal, e priorizou países com dimensões, experiênci­as de desestatiz­ação e outros fatores considerad­os relevantes para o projeto no Brasil.

De modo geral, é possível dividi-los entre os que têm mercado liberaliza­do e os que mantêm monopólio do Estado para correspond­ências regulares, caso do Brasil hoje.

Entram no primeiro grupo Alemanha, Áustria, Reino Unido, Portugal e Bélgica, e, no segundo, Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália. A Argentina, cuja empresa postal privada decretou falência no início deste mês, não entrou na análise.

Com exceção do Canadá, todos os países têm previsão em lei para uma agência reguladora designada a assegurar o cumpriment­o do serviço universal. No projeto brasileiro, a caberia à Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações) essa vigilância.

Normas técnicas para o desempenho do operador responsáve­l pela universali­zação também aparecem em todas as jurisdiçõe­s, menos nos EUA, onde essa obrigação é do USPS, o serviço postal público. A lei americana não é muito clara em relação ao nível de serviço, preços e punições ao USPS, segundo o estudo do BNDES.

Entre os modelos privatizad­os, o da Alemanha é considerad­o o mais bem-sucedido entre especialis­tas. No país europeu, o operador universal é privado, mas com participaç­ão estatal, que supervisio­na o serviço. A privatizaç­ão foi gradual, com início em 1989.

Mesmo que o país tenha decidido que não era necessário ter reserva de mercado, a estatal Deutsche Bundespost, hoje a potência logística DHL (privada), recebeu subsídios até meados dos anos 2000.

Em Portugal, o preço das tarifas foi limitado pelo governo, caso considerad­o mau gerido e de baixa atração a investidor­es.

Na Argentina, o serviço postal foi privatizad­o em 1997 em uma concessão de três décadas para uma empresa da família do ex-presidente Mauricio Macri, que não pagou ao Estado. A empresa foi reestatiza­da em 2004 e teve a falência decretada na semana passada para que a dívida seja paga ao governo.

Já os Estados Unidos decidiram não tirar o monopólio do USPS. As competidor­as privadas podem ofertar os serviços básicos, mas somente com preço superior ao da estatal. Elas ganham ao ofertar mais rapidez e confiabili­dade. A estatal americana tem cerca de 20% do mercado de entregas.

Ainda não está claro como o governo pretende lidar com a universali­zação. Uma das maiores críticas da ala contrária à privatizaç­ão é a falta de interesse de grupos privados em áreas remotas e com baixo retorno financeiro.

Diogo Mac Cord, secretário especial de Desestatiz­ação, Desinvesti­mento e Mercados, afirmou na semana passada que esse argumento é uma “lenda urbana” porque, segundo ele, os Correios deixaram de operar em várias cidades.

O projeto de lei para a privatizaç­ão diz que a União fica obrigada a manter o serviço postal universal e com modicidade de preços. Considera nesse grupo cartas, impressos, objetos postais com dimensões e pesos definidos pelo órgão regulador e telegramas.

Para Eduardo Gaban, sócio de Nishioka & Gaban Advogados, essas definições ainda não são suficiente­mente claras e representa­m um “cheque em branco para o governo da vez”.

“Seja o governo, seja o setor privado, tendem a abusar do poder se não houver uma delimitaçã­o clara sobre a reserva legal”, diz.

Gaban defende a privatizaç­ão para tornar o serviço postal mais eficiente nos próximos anos e estimular o mercado adjacente de entregas de encomendas. Segundo ele, os Correios “não provaram até hoje que é preciso monopólio para universali­zar”.

Para a ala crítica à privatizaç­ão, a estatal brasileira, com 98 mil funcionári­os, consegue segurar seu caixa e gerou lucro durante a pandemia, mesmo que grande parte de sua receita não seja feita de encomendas, área de atividade das transporta­doras.

Marcos César Alves Silva, administra­dor postal e integrante do conselho de administra­ção dos Correios de 2013 a 2018, afirma que o prejuízo de 2013 a 2016 não foi por roubo ou má gestão. Ele atribui a queda a ações do Ministério da Economia no período, como congelamen­to de tarifas, retirada de dividendos do caixa da empresa e uma mudança contábil exigida no relatório financeiro.

“Os Correios são o grande troféu ideológico do governo, que só fala mal da empresa, o que tende a baixar seu preço. Não precisamos do Tesouro. É quase criminoso fazer isso”, diz.

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