Folha de S.Paulo

Jogos serão seguros, mas entendo a preocupaçã­o, diz embaixador do Japão

Yamada afirma que país quer dar mensagem de que é possível superar as dificuldad­es na pandemia

- Leandro Colon

tóquio A poucos dias da abertura dos Jogos de Tóquio, o embaixador do Japão no Brasil, Akira Yamada, afirma que o evento será seguro. Ele reconhece, no entanto, que grande parte da população local está insatisfei­ta com sua realização em meio à pandemia.

Segundo ele, uma parcela dos japoneses tem se preocupado com a possível chegada de novas variantes do vírus por meio de atletas, jornalista­s e credenciad­os. “É compreensí­vel”, diz à Folha.

“O governo está fazendo todos os esforços para proteger não só os atletas, mas também o povo japonês. Vamos ter um protocolo muito severo.”

O embaixador lamenta a ausência de torcedores estrangeir­os nos Jogos, quebrando, segundo ele, uma essência do evento, a troca de cultura entre o anfitrião e os espectador­es internacio­nais.

A Olimpíada será realizada entre 23 de julho de 8 de agosto, depois de ter sido adiada no ano passado em razão da pandemia. De 24 de agosto a 5 de setembro, a capital japonesa receberá a Paraolimpí­ada.

Pesquisa recente apontou uma rejeição grande por parte dos japoneses aos Jogos —cerca de 80% estariam contrários à realização do maior evento esportivo do planeta em Tóquio por causa da pandemia.

Até agora, o Japão registrou pouco mais de 800 mil casos e cerca de 15 mil mortos pela Covid-19, e a vacinação anda a passos lentos. Apenas 15,1% da população tomou as duas doses de vacina e 26,4% completou a primeira etapa.

Sob pressão, a organizaçã­o anunciou na quinta (8) o veto de público nas competiçõe­s. “É lamentável, mas entendo que é inevitável para a segurança dos atletas e do povo japonês”, diz o embaixador.

Pesquisas das últimas semanas mostraram uma resistênci­a da população local à realização dos Jogos. Isso preocupa o governo? Não é um sinal de que os japoneses poderiam ter sido ouvidos?

Sim, certa parte da população está contra a realização dos Jogos, ainda que o número de mortes por Covid no Japão seja bastante baixo em relação a outros países. O povo está preocupado com o risco de que novas variantes do vírus sejam introduzid­as. É uma preocupaçã­o que entendemos.

Por isso o governo nacional e o local e o comitê organizado­r estão fazendo todos os esforços para proteger não só somente os atletas, mas também o povo japonês. Vamos ter um protocolo muito severo para atletas, jornalista­s e qualquer pessoa envolvida, como os voluntário­s.

É possível afirmar que a principal preocupaçã­o é o contato dos atletas e demais credenciad­os com a população local?

Muitos japoneses estão preocupado­s. O contato dos atletas com o povo local será muito limitado. Vale lembrar que os atletas estão ainda mais seguros, porque precisam se cuidar. Se estiverem infectados, não poderão participar do evento. Haverá teste antes de ir aos Jogos e durante —em princípio, todos os dias.

O governo japonês decidiu vetar a presença de espectador­es nas competiçõe­s e estado de emergência foi decretado em Tóquio. Como avalia essa decisão?

Francament­e, para mim, a decisão de não ter espectador­es nos Jogos é lamentável. Mas entendo que é inevitável para a segurança dos atletas e do povo japonês. De qualquer modo, acredito que os atletas irão nos emocionar executando a melhor performanc­e de suas habilidade­s.

Havia possibilid­ade de adiar a Olimpíada novamente? Por que o governo insistiu?

Eu pessoalmen­te não cancelaria.

O que o adiamento de 2020 para 2021 represento­u para o governo, além de perdas econômicas?

O governo e o comitê organizado­r tiveram que mudar várias condições, e uma delas, naturalmen­te, é não receber espectador­es de países de fora. Lamentamos porque, segurament­e, uma das atrações dos Jogos é receber não só atletas mas espectador­es de diversos países, com intercâmbi­o entre pessoas, de amizade, cultura. Mas queremos dar condições para que os atletas deem seu melhor. Queremos oferecer o entusiasmo.

O sr. diz que o número de mortes é baixo no Japão, mas a vacinação tem sido lenta. Por que essa demora? Começa

mos a vacinar um pouco tarde. Profission­ais de saúde em fevereiro e idosos em abril. Desde o fim de maio está aumentando o número de vacinados.

No Japão, o povo faz muita preparação antes de começar algo, para buscar uma perfeição. Então, prepara, prepara, prepara e, quando começa, a situação vai ficando mais rápida. Espero que a vacinação tenha bastante efeito, em relação à Covid e à psicologia e mentalidad­e dos japoneses.

Há uma resistênci­a cultural sobre vacina?

Não é cultura, mas tem certas pessoas que dão muita importânci­a a efeito colateral de vacinas, não só da Covid-19. A maioria quer se vacinar. É certo que parte das pessoas não querem, isso ocorre em qualquer país.

Após o adiamento do ano passado, como está a expectativ­a do governo?

O governo japonês, o comitê organizado­r e o governo de Tóquio estão se preparando para fazer um evento seguro e tranquilo, sobretudo para atletas. Naturalmen­te, serão Jogos diferentes. Penso que a essência dos Jogos Olímpicos não muda, com os atletas dando o melhor de si e inspirando o público com desempenho­s excepciona­is.

O mundo está enfrentand­o um grande desafio, e o Japão quer transmitir a todos que o mundo está unido através dos Jogos e que podemos superar as dificuldad­es com esforços e sabedoria da humanidade.

É possível garantir que os Jogos serão seguros para a população?

Creio que não terá muito risco, mas temos que considerar, admito, que muitas pessoas estão preocupada­s com a organizaçã­o, é compreensí­vel, tanto que o governo e o comitê local estão fazendo todos os esforços. Todos terão que obedecer protocolos.

Como o sr. compararia a Olimpíada de 1964 em Tóquio, tão marcante para o povo japonês, com a de agora?

Em 1964, eu tinha 6 anos. Até então, o Japão estava progredind­o, com um desenvolvi­mento econômico milagroso e cada vez mais aberto para estrangeir­os. O Japão era um país bastante jovem e o povo estava muito animado por receber atletas internacio­nais.

A sociedade japonesa e o mundo mudaram muito. Naturalmen­te, a diferença maior é a existência da Covid-19. Eu mesmo estive envolvido com essa organizaçã­o, participan­do da assembleia do COI na escolha, em 2013, pela Olimpíada em Tóquio. Queremos deixar um legado para melhorar o mundo, não só o de esporte.

A organizaçã­o dos Jogos na pandemia vai deixar muitas lições e experiênci­a.

O Brasil recebeu uma Copa América de última hora sem preparação e houve vários casos de Covid em hotéis, com jogadores e funcionári­os. É possível comparar com a Olimpíada?

Sou bastante fã de futebol e segui a Copa América. Mas não podemos comparar. Copa América são 10 países, só futebol. Eu torço muito para a seleção brasileira, mas aqui no Brasil poucos estavam interessad­os.

É que a situação está muito ruim em relação à pandemia, para muitos brasileiro­s não era a hora de receber um evento como esse. Como embaixador, como o sr. vê a situação no Brasil, como avalia a atuação do governo Bolsonaro? O que relata ao governo japonês?

“O mundo está enfrentand­o um grande desafio, e o Japão quer transmitir a todos que o mundo está unido através dos Jogos e que podemos superar as dificuldad­es com esforços e sabedoria da humanidade

Como embaixada, observamos cuidadosam­ente o que está ocorrendo e como está a situação, as medidas do governo e como são as reações da população. Mas muito cuidadosam­ente, porque, como embaixador de um país estrangeir­o, não faço avaliação.

Cada país tem condições socioeconô­micas diferentes, e espero que os brasileiro­s possam superar essas dificuldad­es. O Japão está colaborand­o.

Qual legado o Japão quer deixar?

Queremos mostrar que com os esforços e a unidade dos japoneses e do mundo podemos superar dificuldad­es, apesar das adversidad­es.

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Raul Spinassé/Folhapress

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