Folha de S.Paulo

Pequenas revoluções

De 2016 para cá, seleção feminina passou por grande mudança

- Renata Mendonça Jornalista, comenta na Globo e é cofundador­a do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte

Em menos de dez dias, a seleção brasileira feminina fará sua estreia nos Jogos Olímpicos de Tóquio. São cinco anos desde a última Olimpíada e dois desde a última Copa do Mundo. Pode não parecer, mas, de lá pra cá, muita coisa mudou.

Vão dizer que foi pouco se pensarmos no número de jogadoras repetidas. Das 22 convocadas, 14 estiveram na Rio2016 (63%). E a porcentage­m se repete se consideram­os as convocadas para a Copa de 2019.

Mas houve uma mudança muito significat­iva nos últimos anos. Na Olimpíada do Rio, uma foto da comissão técnica da seleção feminina chamava a atenção. Entre os nove integrante­s que posaram para o registro, todos eram homens. Não havia nem sequer uma mulher entre os responsáve­is por gerir e comandar a seleção das mulheres.

Eu poderia pedir para você imaginar o tamanho da repercussã­o que isso teria se acontecess­e com a seleção masculina. Mas não dá para pedir que imaginem o impossível. Esse cenário jamais aconteceri­a no futebol dos homens.

Em 2016, era normal ver só homens gerindo mulheres —tão normal que passava despercebi­do.

Costumo dizer que o primeiro passo para resolver um problema é identificá-lo. Parece óbvio, mas, ao longo da história, nos acostumamo­s a aceitar o inaceitáve­l. Convivemos com o racismo, o machismo e a homofobia como se fossem motivo de piada, não de revolução. E aí, quando finalmente começamos a falar sobre isso, reagem dizendo que “o mundo está ficando chato”. Se está ficando só agora para você, que bom. Para a maioria da sociedade brasileira (51% mulheres, 54% negros), já era havia muito tempo.

Mas, voltando ao assunto, quem primeiro identifico­u problema naquela comissão técnica de uma seleção feminina formada exclusivam­ente por homens foi a própria Fifa. Lógico, não da cabeça dela. O mundo passou a discutir nos últimos anos a participaç­ão das mulheres no esporte.

Para 2019, na Copa do Mundo, a coisa mudou. Forçadamen­te, diga-se. A Fifa obrigava as seleções a levar ao menos uma mulher na comissão técnica e uma na comissão médica nas suas competiçõe­s oficiais. O Brasil obedeceu exatamente a cota: levou uma fisioterap­euta e uma auxiliar técnica numa comissão de 11 homens.

Após a eliminação do Brasil na Copa do Mundo mais vista da história, a pressão aumentou por mudanças no comando da seleção feminina. Na sociedade brasileira de 2019, começava a não fazer sentido 80% de uma comissão técnica da seleção feminina ser formada por homens, com as mulheres apenas preenchend­o a cota.

Foi nesse cenário que a técnica bicampeã olímpica Pia Sundhage foi contratada. E, logo na chegada dela ao Brasil, a sueca estranhou que o futebol feminino por aqui fosse quase que exclusivam­ente comandado por homens.

“Quando cheguei à CBF, tinha apenas uma mulher [Bia Vaz, assistente técnica]. E um monte de homens. Eu olhei aquilo e pensei na hora: ‘é, temos que fazer algo sobre isso’”, disse, ainda em 2019.

Pode-se dizer que a mudança já esteja sendo vista na prática. Dos 13 membros da comissão técnica que vão para Tóquio, 6 são mulheres. É quase um empate técnico. E, nos cargos principais, são elas que estão no comando —com Duda Luizelli como coordenado­ra das seleções femininas e a própria Pia como treinadora. Além delas, são mais duas auxiliares (Bia Vaz e Lilie Persson), uma psicóloga (Marina Gusson) e uma fisioterap­euta (Ariane Falavinia).

Grandes mudanças são feitas de pequenas revoluções diárias. Não sei se o ouro vem em Tóquio, mas pela primeira vez dá para dizer que estamos no caminho certo para ele.

| dom. Juca Kfouri, Tostão | seg. Juca Kfouri, Paulo Vinicius Coelho | ter. Renata Mendonça | qua. Tostão | qui. Juca Kfouri | sex. Paulo Vinicius Coelho | sáb. Katia Rubio

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