As lágrimas já secaram
Morta há dez anos, Amy Winehouse teria largado a música e o vício se estivesse viva ainda, diz o seu melhor amigo, Tyler James
Amy Winehouse passou cerca de três anos sem usar crack e heroína — as drogas nas quais foi viciada— antes de morrer, há dez anos, por intoxicação alcoólica. A imagem da cantora como uma viciada incorrigível, flertando com a morte inevitável, é uma das narrativas que Tyler James, melhor amigo da artista desde a infância, quer desconstruir no livro “Minha Amy”, que sairá em agosto.
“As pessoas perpetuam esse mito de que ela era autodestrutiva, a coisa do rock de entrar para o clube dos 27. E não tem nada legal em morrer aos 27. Nos últimos anos, ela não tocou em droga pesada. Substituiu aquilo por álcool, mas estava querendo ficar sóbria e lidando com o vício.”
De garota tímida e introvertida —que desde os 14 tomava antidepressivos—, Winehouse se tornou uma das mais celebradas vozes da música, com uma estética retrô, uma atitude contestadora e letras de uma franqueza cortante.
Quando escreveu “Back to Black”, seu disco clássico de 2006,vencedordeváriosGrammy, Winehouse não usava crack ou heroína, mas foi com o sucesso do álbum, e o relacionamento conturbado com o ex Blake Fielder-Civil, que as coisas começaram a desandar.
“Se tivesse morrido cinco anos antes, quando estava usando muito crack e heroína, teria feito sentido. Era quando a automutilação era maior. Essa época foi absolutamente maluca”, diz James.
Na época de hits como “Rehab” e “You Know I’m No Good”, Winehouse costumava passar os dias no bar, bebendo, jogando sinuca e ouvindo músicas na jukebox. Nas madrugadas, sentava no chão da cozinha e compunha, chorando depois de ter sido deixada por Fielder-Civil.
Quando “Back to Black” começou a fazer sucesso, o casal reatou, e foi justamente quando Winehouse entrou de cabeça nos vícios do futuro marido. A fama, diz James, arrancou a liberdade da amiga, que não gostava de ser paparicada e preferiaasimplicidadeboêmia da noite no bairro londrino de Camden Town aos circuitos luxuosos das celebridades.
“Quando estava num jatinho, tudo que Amy realmente queria era estar num supermercado comprando o que ela ia cozinhar para o jantar. Ele só queria a normalidade.”
Mais do que as fotos e vídeos divulgados pela imprensa —que a cantora pouco consumia—, o que a incomodava era não poder andar livremente pela rua, numa época pré-redes sociais, em que a perseguição dos paparazzi era muito mais intimidadora.
“De repente, sua vida não é mais sua. Tem gente morando na sua porta. Aquilo fodeu a cabeça dela. Como você luta contra um vício quando não pode caminhar pela rua?”
James e Winehouse se conheceram quando tinham por volta de 12 anos, na escola de teatro que frequentavam em Londres. Ambos vindos de famílias da classe trabalhadora, eles queriam ser cantores.
Em 2002, foram contratados pelagravadoraIslandRecordse acabaram vivendo uma ascensão e decadência em um curto espaço de tempo. A carreira de James não foi adiante, mas ele seguiu dividindo apartamento e se tornou uma espécie de guardião da melhor amiga —sua missão era não deixar que ela morresse e se manter vivo enquanto fazia isso.
Enquanto Winehouse — que na adolescência era a mais careta da turma e só fumava maconha e bebia— enveredou para o crack e a heroína, James podia beber dezenas de garrafas de vodca ou de uísque por semana.
As cenas descritas por ele no livro são dignas do filme “Trainspotting”, com gente como Pete Doherty, conhecido junkie e ex-vocalista dos Libertines, pintando quadros com sangue —dele e de Winehouse— e Fielder-Civil roubando centenas de milhares de libras no camarim de Prince.
Mas, em “Minha Amy”, a cantora do cabelo de colmeia também surge como uma amiga doce e de personalidade única, quase deslocada no tempo. Era uma nerd de música e amava clássicos de jazz e também a música negra e o hip-hop —era amiga de Mos Def e fã de Nas e Lauryn Hill—, herdou da avó um fascínio pelas pin-ups dos anos 1950 e nutria fantasias de se casar com um gângster e ser mãe.
“Ela era uma mulher tradicional. Queria ser o tipo de mulher que cuida do seu homem. Ela gostava de bad boys, e Blake acabou sendo isso pra ela. Amy sabia que os vícios dele eram perigosos. Mas, quando você se apaixona, é capaz de fazer qualquer coisa.”
James, no entanto, não é duro com Fielder-Civil no livro. “Sei que ele é pintado como o vilão e realmente não acho que ela usaria heroína se não o tivesse conhecido. Mas o vício muda as pessoas. Falei com ele depois que ficou sóbrio, e me pareceu um cara bacana.”
A cantora se apresentou no Brasil no começo de 2011, meses antes de morrer, quando tentava retomar a carreira. Nesses shows, Winehouse se atrasou, cantou pouco e há relatos de que o público aplaudia quando a via bebendo algo.
Em certa medida, ela havia virado refém da personagem criada em “Rehab”. “A atitude dela mudou, mas a música continuou existindo. E esse é o problema. A música estava sendo um peso para ela. Até porque, no fim das contas, ela foi atrás da reabilitação.”
Winehouse tentava se livrar do vício havia anos, mas tinha problemas com o álcool. Segundo James, ela não queria cantar no Brasil e estava num círculo vicioso —quando dava sinais de melhora, seus empresários, incluindo seu pai, Mitch, organizavam uma nova turnê, o que a fazia voltar ao álcool e à depressão.
Se estivesse viva hoje, diz James, Winehouse teria se livrado dos vícios. “Sei que ela estaria sóbria, e não acho que ela seria ‘Amy Winehouse’. Não é o que ela queria mais. As pessoas mudam —hoje sou um fazendeiro que conscientiza sobre vício. Amy era uma pessoa muito inteligente, e pessoas assim ficam entediadas.”
Tambémnãoestariafazendo turnês nem provavelmente gravando discos. “Ela continuaria compondo, mas para si. Se estivesse aqui, brigaria por mais liberdade, por algum nível de normalidade. A maior tragédia para as pessoas é que parou de compor e de cantar. Mas, para mim, a maior tragédia é ela nunca ter sido mãe.”