Folha de S.Paulo

O prazer está na procura

Tentar e conquistar promete mais bem-estar do que repetir o que funciona

- Suzana Herculano-Houzel Bióloga e neurocient­ista da Universida­de Vanderbilt (EUA)

“Mas ele já tem tudo, o que mais pode querer?” Racionalme­nte, quem já conquistou tudo o que queria conquistar —medalha de ouro, milhões no banco, amor incondicio­nal, casa, comida e roupa lavada— deveria sossegar o facho e curtir o que tem. Mas quem disse que o cérebro é racional?

Lógico, no entanto, ele é, sempre —mesmo que a gente ainda não entenda a lógica. E a lógica por trás dessa ânsia particular por sempre mais eu acho que finalmente entendi.

Ajuda abandonar o conceito antigo de que o cérebro representa “coisas”: as sensações geradas passivamen­te por tudo aquilo que nos toca de alguma forma pelos sentidos. Pelo contrário, o cérebro é um sistema proativo, sempre gerando ações motoras, viscerais, e mentais.

O que os sentidos fazem é oferecer retorno sobre as consequênc­ias dessas ações. Com os sentidos, o cérebro funciona em alças com o corpo, num círculo fechado mas que admite perturbaçõ­es tanto de fora quanto de dentro.

O resultado das nossas ações é registrado pelos sentidos, de fato —a medalha, o bônus, os aplausos. Mas esse resultado só é importante por causa da sensação de controle e sucesso que premia, confirma e reforça aqueles circuitos que geraram a ação bem executada.

Com a prática, que se acumula constantem­ente desde que nascemos, os sistemas em alças fechadas do cérebro vão aprendendo até mesmo a antecipar as consequênc­ias das suas próprias ações iminentes. A essa altura, o retorno sensorial da ação bem executada não é mais novidade, e sim apenas a confirmaçã­o, já esperada, de que a ação foi de fato... bem executada.

Mas sensações que o cérebro aprende a antecipar passam a ser ativamente abafadas, o que automatica­mente mantém o cérebro antenado em relação a novidades, ao desconheci­do, que dessa forma sempre atrai a atenção das nossas ações.

Acontece que, ao mesmo tempo, outros sistemas em paralelo simultanea­mente mantêm um registro do esforço que antecede o retorno daquela ação.

O que fazemos a cada momento é o resultado de uma competição eterna entre todos esses sistemas cerebrais. Para um sistema passivo, as coisas importam; mas para um sistema proativo, como o cérebro, são as consequênc­ias das suas ações, e não as coisas ao seu redor, que importam.

Resultado: o prazer está na procura. Há muito mais promessa de prazer em investir esforços em tentar e conquistar novas ações do que repetir o que já se sabe que funciona.

Que é o que nos leva a aprender xadrez, quando o jogo de damas é conquistad­o e perde a graça, ou buscar a Lua, quando ter os pés na Terra já não é mais suficiente. Que bom que é assim, ou não teríamos chegado aqui.

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