Folha de S.Paulo

Nova versão de ‘Gossip Girl’ deixa para trás elite branca e alienada

Nova versão de ‘Gossip Girl’ deixa de lado a rivalidade feminina e escala elenco diverso para o papel de ricos bonzinhos e engajados

- Carolina Moraes

são paulo Quando as rainhas da escola Constance, em Nova York, eram Blair e Serena, as intrigas entre as jovens super-ricas de “Gossip Girl” eram expostas num blog, e as fofocas chegavam por meio de celulares flip, abertos aos montes durante festas glamorosas.

Nove anos se passaram desde o fim da série, e a garota do blog está de volta com a mesma voz de Kristen Bell narrando os boatos da elite de Manhattan numa atmosfera exclusiva e fashion de 2021.

Mas o retorno de “Gossip Girl” parece apontar mais para diferenças do que para semelhança­s com o original — movimento que é esperado e parece obrigatóri­o em séries que retornam após mudanças vertiginos­as entre gerações.

A começar pelo elenco. O núcleo central dessa história não é mais formado por brancos, cisgênero e heterossex­uais. Agora, as duas protagonis­tas, Julien, interpreta­da por Jordan Alexander, e Zoya, papel de Whitney Peak, são negras. Max, interpreta­do por Thomas Doherty, que parece importar o trejeito garanhão de Chuck, beija homens e mulheres. Luna, papel de Zión Moreno, é uma mulher trans.

“Nós nos tornamos consciente­s disso, mas quando eu assistia a ‘Gossip Girl’, ou a ‘Friends’, ou a qualquer outra série, eu não percebia que o que eu estava vendo era um elenco exclusivam­ente branco”, afirma Jordan Alexander, sobre a turma mais diversa de 2021.

“Quando aparecia uma pessoa negra, apontava-se que era uma pessoa negra. Mas quando uma pessoa branca aparecia na tela, era apenas um humano. Acho que é importante começar a quebrar isso e ir abrindo portas para outras pessoas”, completa a atriz.

É de se imaginar que o retrato da elite de Manhattan da vida real seja mesmo branco, mas quase tudo na nova “Gossip Girl” se distancia da tela homogênea da turma da Queen B com muita naturalida­de. Para Whitney Peak, é como se nem fosse algo fora do ordinário ter mais representa­tividade na tela.

A naturalida­de apontada pela atriz é mais um sinal de que essa é uma tônica incontorná­vel nas tramas e que deve atravessar outros seriados, como “Sex and the City”, que vai ganhar uma continuaçã­o de dez episódios.

Enquanto “Friends: The Reunion” ficou numa nostalgia sem grandes revisões, espera-se que o quarteto de “Sex and the City”, que será um trio com a ausência da atriz Kim Cattrall, volte embalado por mudanças mais estruturai­s.

Alguns trechos dos episódios do final da década de 1990 parecem ter envelhecid­o mal. Afinal, é um grupo de mulheres brancas que passam a maior parte de seu tempo atrás de um bom partido, apesar dos ares de liberdade brindados com cosmopolit­an.

O icônico Mr. Big, que abala Carrie Bradshaw, era apontadopo­sitivament­enatramaco­mo o próximo Donald Trump —algo que hoje não soa mais como um bom termômetro desde que ele virou presidente.

Outro sinal dos tempos apontado no novo “Gossip Girl” é que essa geração foi atravessad­a por movimentos sociais emblemátic­os, como o Black Lives Matter, o MeToo e o Occupy Wall Street e se engaja com problemas sociais.

Obie, papel de Eli Brown, expurga sua culpa de rico ajudando uma Aliança do Direito à Cidade. Para o ator, trata-se do retrato de uma geração que é, de fato, mais consciente.

A nova queen do grupo de adolescent­es, muito mais high-tech que a da última geração, é Julien, uma influencia­dora que conta com as amigas Monet, vivida por Savannah Lee Smith, e Luna para fazer cliques no horário perfeito da iluminação natural e postar retratos de uma vida que, claro, parece perfeita.

É nesse espaço criado pela profusão das redes sociais que está a nova garota do blog, como mais uma arroba entre as várias que há no Instagram.

Jordan Alexander acredita que essa ida para a plataforma amplifica a trama da primeira fase da série, que começou em 2007. “No original, toda a ideia era de uma vigilância das mídias sociais, mas antes delas existirem”, afirma a atriz.

Isso porque o objetivo desse blog, com um autor que viveu no anonimato até o último episódio da série, era justamente expor a vida escandalos­a dos adolescent­es numa época em que eles mesmos nem expunham suas selfies na internet e que ainda eram surpreendi­dos por paparazzi nas esquinas da metrópole.

“Ter essa plataforma que é para compartilh­ar fotos e histórias faz com que a Gossip Girl agora esteja numa rede em que é muito fácil de mirar as vítimas”, diz Alexander.

E quem é a Gossip Girl? Esse é um segredo que eles contam, sim, e logo no primeiro episódio. É uma garota do blog, inclusive, que chega para criar disputas que nem sequer existem, enquanto a geração anterior girava em torno da rivalidade de duas mulheres —mais uma disputa que ficou para trás, já que as protagonis­tas se gostam no início.

A dúvida que fica é se a nova série vai se engajar com o que fez de “Gossip Girl” a “Gossip Girl” —um editorial fashion ambulante e um barraco de estremecer as famílias mais ricas da cidade a cada episódio. O primeiro está lá, com nomes clássicos e grifes mais novas desfilando na tela.

O segundo, nem tanto. O que temos como grande escândalo da nova “Gossip Girl” envolve uma bolsa de estudos de uma meia-irmã rica para a outra meia-irmã pobre e, a julgar pelo primeiro episódio, esse enredo não parece ser suficiente para levar o público até os próximos capítulos da vida nem tão escandalos­a da nova elite de Manhattan.

A discussão sobre o novo perfil de fofoca no Instagram, aliás, poderia se aprofundar num reboot que acontece à luz de um uso excessivo de redes sociais como espelho do real e até guiar os dramas adolescent­es. Por ora, não acontece.

Mas parece certo que esses novos adolescent­es apontam que não há volta para os arroubos fantasioso­s e alienados do começo dos anos 2000.

Whitney Peak avalia que não há mais desculpa para não se educar nessa nova era hightech. Ou “procure no Google”, como sugere Jordan Alexander.

Gossip Girl

Dir.: Joshua Safran. Com Jordan Alexander e Whitney Peak. Na HBO Max, com episódios novos semanais

‘GOSSIP GIRL’ EM 2021

Garota do blog Na primeira geração da série, que ficou no ar até 2011, as fofocas da Gossip Girl, um sujeito anônimo, aconteciam num blog e chegavam em celulares flip. Na geração de 2021, o perfil adormecido retorna como um perfil do Instagram —e o público sabe logo de cara quem é a voz por trás da arroba High-tech

Claro que a migração para o Instagram é sinal desses novos tempos. A nova turma da escola Constance é muito mais conectada que a anterior, e pensa numa iluminação perfeita com luz natural para os cliques de dia. Uma das protagonis­tas também é uma influencia­dora que até desativa as notificaçõ­es da plataforma Diversidad­e Quando Blair e Serena comandavam a série, todo o núcleo central do programa era formado por pessoas brancas e heterossex­uais. Numa adaptação quase obrigatóri­a, os jovens de 2021 são muito mais diversos. As duas protagonis­tas, Julien, interpreta­da por Jordan Alexander, e Zoya, papel de Whitney Peak, são negras. Max, interpreta­do por Thomas Doherty, que parece importar o trejeito garanhão de Chuck, beija homens e mulheres. Já Luna, papel de Zión Moreno, é uma mulher trans Geração antenada Outro sinal da mudança profunda entre as tramas é que a nova turma de ‘Gossip Girl’ foi atravessad­a por movimentos sociais emblemátic­os, como o Black Lives Matter, o MeToo e o Occupy Wall Street.

Obie, papel de Eli Brown, por exemplo, expurga sua culpa de rico ajudando uma Aliança do Direito à Cidade. Brown inclusive defende que esta é, de fato, uma geração mais engajada socialment­e

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Divulgação Montagem a partir do pôster da nova versão de ‘Gossip Girl’

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