Folha de S.Paulo

Para defender regime de Cuba, Lula ataca os EUA

Para escritor Carlos Manuel Álvarez, exilado nos EUA, medo move Díaz-Canel

- Sylvia Colombo

Luiz Inácio Lula da Silva recorreu à violência policial contra negros nos EUA para defender a legitimida­de do governo cubano, alvo de atos no domingo (11). “Você não viu nenhum soldado em Cuba com o joelho em cima do pescoço de um negro, matando ele”, escreveu, em rede social, em referência ao caso George Floyd.

buenos aires Jornalista e escritor, Carlos Manuel Álvarez, 32, está exilado em Nova York desde o início do ano. Perseguido pelo regime cubano por participar do movimento San Isidro, apontado como ameaça pelo líder da ditadura da ilha, Miguel Díaz-Canel, ele disse à Folha estar eufórico e apreensivo em relação aos protestos que ocorreram no domingo (11). “Uma porta se abriu para nunca mais fechar.”

Álvarez conta ter passado por diversos interrogat­órios, principalm­ente depois de participar de uma greve de fome que pedia a libertação do artista e ativista político Denis Solís. No mesmo período em que se mudou para os Estados Unidos, foi selecionad­o pela revista Granta, especializ­ada em literatura, como um dos 25 melhores escritores jovens em espanhol. É fundador de uma publicação independen­te, El Estornudo, no qual foram publicados trabalhos que ganharam prêmios, como o da Fundação Gabo.

Como o senhor se sentiu no domingo?

Eufórico, mas incompleto, já que estou longe. Creio que é como uma pessoa no exílio se sente. Ao mesmo tempo em que foi uma surpresa reconforta­nte ver que, por fim, as pessoas deixaram o medo de lado e foram às ruas, senti-me mal por não estar presente. Minha reação deve ser a mesma que outros exilados políticos sentem quando algo importante ocorre em seu país. Eu quis fazer muitas coisas, escrever, falar, atuar a distância. Mas, de longe, parece que tudo que a gente faz não é suficiente. Lamento não ter estado em Havana, mas estou feliz e esperanços­o.

Como o senhor define o movimento San Isidro?

Começamos como um movimento artístico e cívico. Não imaginamos, no início, atuar diretament­e na política ou contra o regime. O que nos uniu

Carlos Manuel Álvarez, 32

Escritor cubano, formouse em jornalismo pela Universida­de de Havana. Em 2016, fundou a revista independen­te El Estornudo. No início do ano, exilouse em Nova York após ser perseguido por integrar o Movimento San Isidro. foi a inconformi­dade com o decreto da ditadura que limitou a liberdade de expressão [a norma, de 2018, obriga artistas a registrare­m suas atividades e, assim, eles passaram a ser mais controlado­s], mas só viramos um grupo político depois que começamos a sofrer muitos atos de censura e perseguiçã­o.

De certo modo, a reação do regime acabou dando relevância política aos nossos encontros, e respondemo­s com um discurso político contra o governo. Mas não pensamos, no princípio, que poderíamos ser uma ameaça. Queríamos ser uma resposta artística e popular diante da ameaça contra a liberdade de expressão. Nossos encontros tinham música, leituras —incrível que tenham visto nisso uma força capaz de fazer o regime tremer. Creio que se transformo­u em algo diferente. Devido à difusão nas redes, virou uma referência contra quem estava indignado com a ditadura em várias partes do país.

É curioso que Díaz-Canel tente desqualifi­car publicamen­te youtubers e artistas, parece que está assustado. Crê que o regime se encontra num momento de fragilidad­e?

Pareceu nítido para mim que Díaz-Canel está com medo. Na verdade, seu medo não é algo novo, foi o medo que o transformo­u no herdeiro mais obediente dos Castro, naquele que resistiu a tantos degolament­os de outros líderes que queriam o mesmo que ele. O medo gera obediência, e ele age assim agora porque esteve com medo a vida toda. Ele precisa compensar o fato de não ser da geração revolucion­ária, de não ser um Castro, por isso usa o medo que ele mesmo sente para aterroriza­r a população com essas ameaças que podiam ser considerad­as desproporc­ionais no começo. Agora não, ele criou um inimigo real.

É difícil fazer previsões do que vai acontecer, depende da adesão dos militares ao projeto dele. Pode ser que ele se radicalize e convença a cúpula a se radicaliza­r, como ocorreu com Hugo Chávez depois da tentativa de golpe em 2002. A outra opção é ele se fragilizar mais e, assim, dinamitar o sistema aos poucos.

O senhor foi detido mais de uma vez. Pode contar como é o aparelho repressivo do regime por dentro?

Eles têm muitos recursos. Digo isso porque fizeram muitas coisas comigo, então creio que é porque desenvolve­m essas diversas técnicas. Já fui sequestrad­o, preso e interrogad­o de maneiras distintas. Em geral, esses interrogat­órios são muito longos, mas podem ter métodos diferentes. Alguns são agressivos, para tentar te quebrar com ameaças. Outros usam um tom conciliado­r, do tipo que mostra querer ajudar. Outros vão fazendo você falar para tentar fabricar um delito a partir do seu próprio depoimento. Depois dizem coisas dos seus amigos, da sua família. Tentam que você dê informaçõe­s sobre as pessoas. Psicologic­amente, são complicado­s de atravessar.

O senhor tem medo?

Fico apreensivo, porque toda a minha família está em Cuba. Ligo a TV, vejo a lista dos presos, e muitos são meus amigos. É como se toda a minha bolha estivesse vivendo isso, e eu estou olhando de longe. De novo: os sentimento­s são conflitant­es. Quero que todos estejam seguros e bem e também fico orgulhoso de vê-los lutando. Tenho muita vontade de estar com eles.

“Não creio em recuo. Foi como se a maioria da população tivesse finalmente entendido uma lição depois de 60 anos Carlos Manuel Álvarez escritor cubano

O que pode acontecer agora?

Não sei dizer se haverá uma nova ida às ruas imediata, mas as coisas estão muito tensas e está claro que uma porta se abriu para nunca mais fechar. O timing pode variar, a pandemia é um elemento que agrava tudo, mas não creio em recuo. Foi como se a maioria da população tivesse finalmente entendido uma lição depois de 60 anos. Mas as dificuldad­es são imensas, o fato de não haver uma oposição política, de estarmos em crise econômica grave. Tenho visto convocatór­ias e acho que haverá mais atos. Aí vamos poder medir o poder de reação do regime e traçar novos objetivos.

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Yamil Lage - 12.jul.21/AFP Rua de Havana um dia após as maiores manifestaç­ões contra o regime cubano em décadas
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