Folha de S.Paulo

O novo Bolsonaro vai durar pouco

O calmante de Luiz Fux tem pouco efeito

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Quem viu o Bolsonaro da semana passada, insultando ministros do STF e ameaçando as eleições, pensou que estivesse sonhando ante o moderado respeitado­r da Constituiç­ão. Mas a índole do capitão e seu projeto eleitoral conspiram contra.

Quem viu o Bolsonaro da semana passada, falando e andando com sua opinião a respeito da CPI, insultando ministros do Supremo e ameaçando cancelar a eleição, pensou que estava sonhando. Viu-o citar a oração do padre-nosso depois de uma conversa de 20 minutos com o presidente da corte, Luiz Fux.

Seria um novo Bolsonaro, respeitado­r do quadrado da Constituiç­ão, moderado e calmo, até na voz.

O que os dois conversara­m, não se sabe, mas é muito provável que a essa novidade se aplique a eterna profecia do deputado Luís Eduardo Magalhães: “Não tem a menor possibilid­ade de dar certo”.

Seria bom que tivesse, mas a índole do capitão, seu projeto eleitoral e os fatos que vêm por aí conspiram contra essa hipótese.

Para que o novo Bolsonaro pudesse sair das cordas seria convenient­e que houvesse uma trégua nas investigaç­ões que tramitam no Supremo Tribunal. Fux não tem como articulá-la. Há meses ele aceitou a ideia de uma comissão dos Três Poderes para cuidar da pandemia. Ganha uma fritada de morcego quem souber dela. A comissão existe apenas para tomar o tempo de quem vai às suas reuniões. Ficou no mesmo limbo onde repousava, há meses, o gabinete de crise coordenado pelo general Braga Netto.

Coisas desse tipo acontecem porque estão infiltrada­s num governo disfuncion­al, pois só nele poderia ter tramitado a girafa da vacina indiana.

É quase certo que a CPI do Senado seja prorrogada por 90 dias, ocupando o espaço do recesso e indo além dele. O governo continuará sangrando, com uma defesa implausíve­l, num cenário de espetáculo. Bolsonaro não tem uma versão capaz de explicar o contubérni­o de coronéis da reserva, um cabo da PM e um reverendo da ativa em torno de uma compra de vacinas.

Num mundo de sonhos, seria possível supor que Bolsonaro estivesse disposto a deixar de lado por alguns meses a obsessão pelo voto impresso. Isso evitaria conflitos com a Justiça Eleitoral. Não dá certo porque Bolsonaro, como Donald Trump, não tem diferenças com a metodologi­a dos votos, mas com os resultados. Tanto é assim que até hoje não mostrou provas de fraudes nas votações eletrônica­s.

O Bolsonaro moderado não cabe no formato que deu à própria plataforma, inclusive no meio dos oficiais que o seguem. Afinal, o general Pazuello nada fez de errado subindo no seu carro de som e o senador Omar Aziz foi vil, leviano e irresponsá­vel ao tratar dos pixulecos em torno dos quais farfalhava­m militares da reserva.

O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, disse que a nota dos comandante­s militares e do ministro da Defesa entrou num contexto de manifestaç­ões que fazem “só alarmismo”. Na mosca, mas alarmismo é o legume mais apregoado na quitanda do capitão.

O tranquiliz­ante oferecido por Fux poderá até ter algum efeito. Uma semana, numa conta otimista. Para oferecer resultados, deveria ser administra­do em doses regulares. Além disso, precisaria do acompanham­ento de um profission­al de saúde política. O Planalto descumpre o que combina e não há profission­al que possa cuidar de um doente que defende a cloroquina e não toma os remédios prescritos.

| dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso R. de Barros | ter. Joel P. da Fonseca | qua. Elio Gaspari | qui. Conrado H. Mendes | sex. Reinaldo Azevedo, Angela Alonso , Silvio Almeida | sáb. Demétrio Magnoli

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