Folha de S.Paulo

CPI da Covid obtém aval para agir contra silêncio

Decisão de Luiz Fux diz que nenhum direito é absoluto e que cabe à comissão no Senado avaliar se o depoente abusa dessa prerrogati­va

- Renato Machado, Raquel Lopes e Matheus Teixeira

Presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux acolheu parcialmen­te ontem uma demanda da CPI da Covid que dá fôlego para a comissão reagir à sistemátic­a atitude de depoentes de permanecer­em em silêncio graças a decisões da Justiça.

brasília O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, acolheu parcialmen­te nesta terça (13) uma demanda da CPI da Covid que dá fôlego à comissão para reagir à atitude de depoentes de permanecer­em em silêncio de forma sistemátic­a graças a decisões obtidas na Justiça.

Fux atendeu parcialmen­te a dois embargos (recursos), um apresentad­o pela CPI e outro pela defesa de Emanuela Medrades, representa­nte da Precisa Medicament­os que decidiu ficar em silêncio em seu depoimento nesta terça.

Pela decisão, cabe ao depoente decidir se a resposta a uma pergunta pode incriminá-lo, mantendo o silêncio.

O magistrado, no entanto, diz que nenhum direito é absoluto e que cabe à CPI avaliar se o depoente abusa dessa prerrogati­va, afirmando que a comissão tem instrument­os para tomar providênci­as.

“Recai o poder-dever de analisar, à luz de cada caso concreto, a ocorrência de alegado abuso do exercício do direito de não incriminaç­ão. Se assim entender configurad­a a hipótese, dispõe a CPI de autoridade para a adoção fundamenta­da das providênci­as legais cabíveis”, disse o ministro na decisão, segundo a qual o Supremo não atua previament­e no controle dos atos da CPI.

“Compete à CPI fazer cumprir regramento­s legais e regimentai­s, estabelece­ndo, para tanto, as balizas necessária­s para que investigad­os, vítimas e testemunha­s possam exercer, nos limites próprios, seus direitos fundamenta­is, inclusive o direito da não autoincrim­inação”, argumenta Fux.

Emanuela Medrades abriu mão, inclusive, do seu pronunciam­ento de 15 minutos antes dos questionam­entos. Disse só que foi a própria CPI que a tratou como investigad­a.

“Quem me tratou primeiro como investigad­a foi esta CPI, que quebrou os meus sigilos e deixou expresso num requerimen­to a minha condição de investigad­a”, disse ela, para em seguida dizer que seguiria orientaçõe­s de seus advogados e ficaria em silêncio.

Os membros da CPI relatam que a representa­nte da Precisa estava muito nervosa quando compareceu à comissão. Também afirmam que ela teria tido um media training no dia anterior, para se preparar para a oitiva, mas acabou se mostrando instável. Por isso seus advogados teriam optado pelo silêncio absoluto.

Os senadores afirmaram que o habeas corpus garante silêncio apenas nas questões que a envolvem e que, portanto, ela deveria se manifestar sobre outros assuntos.

Medrades irritou os senadores ao evitar responder questões que pouco dizem respeito a irregulari­dades. A diretora evitou, por exemplo, esclarecer qual o seu vínculo empregatíc­io com a Precisa.

“[Omar Aziz] tem o poder, que foi lhe dado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, de aplicar os rigores da lei e dos poderes de que é investido o presidente da comissão parlamenta­r de inquérito, quando a testemunha, porventura, se recusar a responder algo que não a comprometa”, disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS).

Por causa disso, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSDAM), decidiu suspender a sessão e entrou com um embargo de declaração junto ao STF questionan­do os limites do silêncio da depoente. Aziz questionou o STF se ela já cometeu crimes de falso testemunho, por se recusar a responder.

A sessão com o depoimento de Medrades chegou a ser reiniciada na noite desta terça, mas o depoimento acabou sendo adiado para a manhã desta quarta (14) depois de a depoente alegar exaustão.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) questionou se Medrades iria colaborar em uma eventual sessão nesta quarta. Após resposta afirmativa, Aziz encerrou a sessão.

Os senadores do grupo majoritári­o da CPI, formado por independen­tes e oposicioni­stas, considerar­am a decisão de Fux uma vitória do colegiado. Primeirame­nte, porque esperam que haverá um caráter pedagógico e que futuros depoentes vão colaborar em suas oitivas, ajudando a produzir provas contra terceiros.

Além disso, esses senadores reconhecem informalme­nte que a pressão sobre Medrades na verdade tinha o objetivo de atingir o sócio-diretor da Precisa, Francisco Emerson Maximiano.

Prova disso é que os senadores já agendaram para quartafeir­a (14) sua fala ao colegiado, junto com o depoimento de Medrades. Maximiano deveria ter prestado depoimento há duas semanas, mas os senadores desistiram por causa do habeas corpus que ele obteve, às vésperas de sua oitiva.

Agora, além de decidirem agendar sua oitiva, os senadores afirmam que a possibilid­ade de prisão —aberta pela decisão de Fux— pode romper sua resistênci­a para que ele apresente informaçõe­s referentes à negociação para a venda da vacina Covaxin.

A decisão da CPI de buscar delimitar o direito ao silêncio provocou reação, em particular no ambiente jurídico. O Instituto de Garantias Penais divulgou nota na qual afirma que o direito a não produzir provas contra si é amplamente consagrado em acordos internacio­nais, na Constituiç­ão e em jurisprudê­ncia do STF.

A nota ainda defende que esse direito pode ser invocado por qualquer pessoa, seja ela testemunha ou investigad­o. E também diz que cabe ao depoente e seu time jurídico decidir o limite da fala para evitar a autoincrim­inação.

“É certo, também, que a avaliação acerca da real posição ostentada pelo titular do direito à não autoincrim­inação deve ser feita pela defesa técnica, e não pela autoridade que investiga, sob pena de lhe dar o poder de contornar, de modo absolutame­nte ilegal, o direito fundamenta­l que é assegurado a todos os cidadãos”, afirma.

“Por isso, não se afigura legítima qualquer espécie de tentativa de constrange­r quem quer que seja a prestar depoimento contra a sua vontade, livremente manifestad­a com auxílio de advogado, sob pena de transforma­r em letra morta direito erigido à categoria de fundamenta­l pelo ordenament­o jurídico”, completa o texto do instituto.

A empresa Precisa Medicament­os é alvo de suspeitas no processo de compra da vacina indiana Covaxin. O contrato de R$ 1,6 bilhão foi assinado a toque de caixa pelo governo Bolsonaro, que ignorou parecer apontando pendências, e acabou suspenso após as denúncias de irregulari­dades.

A Procurador­ia e a Polícia Federal investigam a negociação. Inclusive, Emanuela fez esclarecim­entos para a policiais nesta segunda-feira (12). Os senadores aprovaram requerimen­to solicitand­o cópia do depoimento à PF.

A Polícia Federal divulgou nota nesta terça na qual afirmou que a investigaç­ão sobre as suspeitas de irregulari­dades no processo de compra da Covaxin pelo Ministério da Saúde “atende às disposiçõe­s constituci­onais e legais”.

“A produção de provas, sobretudo a oitiva de pessoas que possam contribuir para a elucidação dos fatos, não está atrelada a outras investigaç­ões em andamento sobre o caso”, diz o comunicado.

Foi uma reação da PF às declaraçõe­s de senadores que integram a CPI. Mais cedo, parlamenta­res levantaram suspeitas sobre o uso político da corporação. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) levantou dúvidas de que as ações da PF no caso Covaxin podem ter o objetivo de atrapalhar a CPI.

Algumas testemunha­s convocadas pela comissão têm reivindica­do o direito ao silêncio sob o argumento de já estarem sendo investigad­as pela Polícia Federal, o que as desobriga a falar a verdade.

 ?? Adriano Machado/Reuters ?? A diretora da Precisa Medicament­os Emanuela Medrades fica em silêncio na CPI
Adriano Machado/Reuters A diretora da Precisa Medicament­os Emanuela Medrades fica em silêncio na CPI
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil