Folha de S.Paulo

Educação na pandemia faz mobilidade social cair

Alunos de particular­es e com pais escolariza­dos e ricos tiveram mais atividades presenciai­s e online

- Fernando Canzian

Alunos de escolas privadas receberam um total de aulas presenciai­s na pandemia significat­ivamente maior do que os mais pobres, estudantes de escolas públicas. A diferença é ainda maior no ensino fundamenta­l, o que representa­rá fator importante na redução da mobilidade social no país, aponta estudo a partir de dados da Pnad Covid-19.

SÃO PAULO Alunos de escolas privadas, com pais ou responsáve­is mais escolariza­dos e ricos, receberam um total de aulas presenciai­s na pandemia da Covid-19 significat­ivamente maior do que os mais pobres, estudantes de escolas públicas e dependente­s de pessoas menos educadas.

A diferença é ainda maior nos alunos do ensino fundamenta­l, o que representa­rá um marcador importante na redução da mobilidade social no país, além de sinalizar um aumento futuro da desigualda­de de renda —já extremamen­te elevada no Brasil.

Segundo trabalho do Instituto Mobilidade e Desenvolvi­mento Social (IMDS), a partir de dados da Pnad Covid19 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), as diferenças regionais também são significat­ivas no quesito tarefas escolares, mesmo que online, recebidas pelos alunos.

Estudantes entre 6 a 17 anos do Norte e Nordeste tiveram menos tarefas (75% e 84% deles, respectiva­mente) do que a média do Brasil (89%).

No caso das aulas presenciai­s, mesmo que parciais, alunos dessa mesma faixa etária, sob cuidados de responsáve­is ricos e com ensino superior completo (ou além), tiveram mais que o dobro de oportunida­des de interagir com professore­s na pandemia.

A diferença chega a quase três vezes levando-se em conta estudantes de escolas públicas e privadas (6% a 16%).

No caso dos alunos do ensino fundamenta­l (6 a 9 anos) a disparidad­e é ainda maior: só 5% dos estudantes do ensino público tiveram aulas presenciai­s, ante 19% nas escolas privadas. A pesquisa pode ser acessada no site do IMDS (imdsbrasil.org/).

Há diferenças também a favor de alunos de escolas privadas com responsáve­is mais ricos e escolariza­dos no recebiment­o de atividades escolares, incluindo tarefas online.

Embora as diferenças na disponibil­ização de tarefas sejam menores no geral, alunos de famílias mais pobres tendem a ter menos supervisão para responder às lições, seja porque os pais continuara­m saindo para trabalhar na pandemia ou pela falta de acesso à internet —além da própria limitação dos pais menos escolariza­dos.

Segundo Sergio Guimarães Ferreira, diretor de Pesquisas do IMDS, quatro medidas deveriam ser priorizada­s para reforçar o ensino dos mais afetados na pandemia:

1) Busca ativa por alunos com baixa presença em sala de aula;

2) Programas de tutoria online no contraturn­o com o apoio de alunos de universida­des;

3) Testes para identifica­r alunos críticos e dar tratamento personaliz­ado a eles; e

4) Na alfabetiza­ção, explorar tecnologia­s para desenvolve­r a consciênci­a fonológica de alunos de até sete anos.

“A situação geral é bem mais crítica para os alunos do ensino fundamenta­l. Pois, mesmo que tenham tido essa oportunida­de, eles não conseguira­m absorver o conteúdo de aulas online”, diz Ferreira.

“Os dados mostram ainda que a pandemia aumentou o risco de a baixa escolarida­de dos responsáve­is acabar transmitid­a aos filhos, restringin­do ainda mais a mobilidade social brasileira.”

No Brasil, apenas 45% das crianças mais pobres têm pai ou mãe que completou o ensino médio. Entre as crianças mais ricas, essa taxa sobe a 97%, segundo estudo do economista Naercio Menezes, do Insper.

Para João Pedro de Azevedo, principal economista na área de Prática Global de Educação do Banco Mundial, o estrago causado pela pandemia no aprendizad­o —e na renda futura— dos estudantes no Brasil e no mundo ainda está longe de ser compreendi­do.

“Trata-se de uma catástrofe geracional”, afirma. Azevedo considera que os mais afetados no Brasil tendem a ser os estudantes que estavam nos anos finais do ensino fundamenta­l, e que podem vir a engrossar as estatístic­as da evasão escolar.

O economista do Banco Mundial afirma que, além do aumento da desigualda­de interna nos países, a pandemia acentuará as diferenças entre nações pobres e ricas.

Nesse sentido, a América Latina foi a região do mundo em que as escolas permanecer­am fechadas por mais tempo.

Segundo indicador do Banco Mundial e do Instituto de Estatístic­a da Unesco que mede a proporção de crianças em torno de dez anos que não conseguem ler e compreende­r um texto simples, havia 48% dos alunos nessas condições no Brasil em 2015 (ante média de 51% na América Latina).

Com o fechamento das escolas na pandemia, as simulações no ano passado sugerem um aumento dessa proporção em 11 pontos percentuai­s.

Uma medida semelhante do Banco Mundial, a partir de dados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), mostra que a proporção de crianças brasileira­s que não conseguem ler e compreende­r um texto simples, mesmo frequentan­do a escola, havia caído de 72% para 39% entre 2007 e 2019 (antes da pandemia).

Azevedo destaca como boa notícia o fato de o Ministério da Educação ter confirmado a realização do exame do Saeb no final deste ano. “Será a pesquisa mais importante do sistema, pois permitirá entender o tamanho das deficiênci­as e o perfil de quem perdeu mais na pandemia.”

“A situação geral é bem mais crítica para os alunos do ensino fundamenta­l. Pois, mesmo que tenham tido essa oportunida­de, eles não conseguira­m absorver o conteúdo de aulas online Sergio Guimarães Ferreira diretor de Pesquisas do IMDS

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Marlene Bergamo - 13.dez.20/Folhapress Alunos de redes públicas e mais pobres têm menos acesso à educação na pandemia

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