Folha de S.Paulo

Reação ao golpismo

Movimento de Fux reduz a crise, mas Bolsonaro deve responder formalment­e às instituiçõ­es

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Em defesa de medidas institucio­nais ante Bolsonaro.

Jair Bolsonaro, que recebe do erário R$ 30.934,70 mensais para desempenha­r a tarefa de presidir o país e mais R$ 10.703,78 como capitão reformado do Exército, não se considera um servidor público.

Foi esse o argumento que lhe ocorreu para sustentar que não deveria ser acusado de prevaricaç­ão —crime pelo qual será alvo de um inquérito da Polícia Federal, sob suspeita de ter se omitido após tomar ciência de indícios de corrupção no Ministério da Saúde.

Bolsonaro, é fato, não obedece aos limites e às responsabi­lidades do cargo, nem diferencia os interesses do país de seus próprios, de seus familiares e agregados. Prefere servir-se do Estado a servi-lo.

Por desconhece­r a noção de impessoali­dade da função pública, o mandatário foi chamado para uma conversa conciliató­ria pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, na segunda-feira (12). O magistrado promoveu o encontro, relata-se, para que fossem debatidos os limites impostos pela Constituiç­ão ao exercício do poder.

Uma manobra precária, sem dúvida, mas talvez o recurso possível para evitar a piora da crise provocada pelos sucessivos ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral, acompanhad­os de acusações farsescas de fraudes em pleitos passados.

À saída do encontro viu-se um Bolsonaro menos truculento, que aceitou responder às perguntas de jornalista­s —embora tenha ameaçado encerrar a entrevista ante um questionam­ento incômodo. Foi nessa ocasião que elucubrou sobre não ser servidor público, negou a prevaricaç­ão e chamou os presentes a rezar um pai-nosso.

Talvez pareça reconforta­nte vêlo a exibir pouco mais que a habitual confusão de ideias e um despreparo para o posto que chega ao folclórico. Inexiste motivo, no entanto, para que se baixe a guarda.

O que o presidente da República faz é gravíssimo. Mente de forma descarada à nação para pôr em dúvida a legitimida­de das eleições e ameaça não aceitar o resultado das urnas em 2022. Trata-se de afronta à lei diante da qual as instituiçõ­es não podem ficar inertes.

É mais um crime de responsabi­lidade em potencial a exigir a atenção do presidente da Câmara dos Deputados, responsáve­l por dar andamento a processos de impeachmen­t —sem desconhece­r aqui os muitos percalços políticos envolvidos em tal procedimen­to.

Ao procurador-geral da República, Augusto Aras, não competem consideraç­ões dessa natureza, muito menos as relativas a afinidades com o presidente. É seu dever investigar o chefe de governo por abuso de poder, como aliás já cobram integrante­s do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Que Bolsonaro responda formalment­e por sua lorota golpista, bem como pela negligênci­a na pandemia, de extensão ainda ignorada.

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