Folha de S.Paulo

Respeito às eleições

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas

A pandemia revelou-se um grande aprendizad­o tanto para os governos como para o setor produtivo.

Um choque inesperado e devastador sem precedente­s em quase um século exigiu respostas céleres para a saúde e medidas econômicas para salvar vidas, empregos e o tecido produtivo. Os governos reagiram, uns de maneira mais competente que outros, com respostas que produziram resultados concretos que mitigaram a devastação prevista quando tudo começou.

O setor produtivo mostrou resiliênci­a, principalm­ente durante a segunda onda, quando se registrou maior descolamen­to entre o nível de atividade e a dinâmica da pandemia, mesmo em países onde houve maior restrição à mobilidade. Isso revela a alta capacidade do setor privado de adaptar-se à Covid-19 e de apreender informaçõe­s sobre a doença de modo a minimizar as dificuldad­es para a retomada de suas atividades.

Nesses aspectos, o Brasil não é diferente do resto do mundo, e os números da economia reforçam tal percepção semana após semana. A recuperaçã­o da atividade mostra-se robusta, disseminad­a e surpreende positivame­nte no curto prazo graças a essa combinação de fatores.

A particular­idade de nosso processo é que ele ocorre a despeito do ambiente político cada vez mais negativo, turbulento e desgoverna­do, o que é incomum. Talvez o quadro revele que o setor privado tenha dominado a arte de sobreviver a um país preso à disfuncion­alidade e à inoperânci­a política.

O já conhecido expediente do presidente em conduzir o Brasil na base do conflito permanente sobe de tom toda vez que a CPI traz novos esclarecim­entos —que podem ter graves consequênc­ias políticas— ou que as pesquisas eleitorais revelam sua situação cada vez mais desfavoráv­el para 2022, eleição que será um referendo sobre seu governo.

A novidade é o apoio explícito recebido de alguns poucos integrante­s das Forças Armadas, que revelam desconhece­r que a Constituiç­ão não lhes confere a atribuição de poder moderador. Esforçam-se para enterrar todo o esforço feito pelo grande presidente Castello Branco de acabar com o tenentismo e se recusam a entender que devem obediência ao Estado brasileiro e à Constituiç­ão, não ao governo de turno.

É importante que as demais instituiçõ­es da República respeitem a si mesmas e não se rendam ao baixo calão e às ameaças veladas como forma de agir e reagir, pois há um claro favorito para vencer o debate nesses termos...

O “manual” com os parâmetros de ação, os limites, os deveres e os instrument­os de cada um estão muito bem delimitado­s. Chama-se Constituiç­ão Federal, a quem todos estão sujeitos.

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