Folha de S.Paulo

Devoção perturbado­ra

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Se o pastor André Mendonça for nomeado para o STF e implementa­r o plano presidenci­al de iniciar as sessões do tribunal com uma oração, aí também eu passaria a defender o fechamento do Supremo. Fá-lo-ia não por pulsão de golpe, como o presidente, mas por ser capaz de reconhecer fracassos.

No dia em que o principal tribunal de uma República democrátic­a do século 21 iniciar suas sessões com uma prece religiosa, o princípio da laicidade do Estado terá sido violado, o que significa que seremos um país menos republican­o, menos democrátic­o e mais arcaico. Já não valeria a pena gastar energias para defender o Supremo.

A laicidade, isto é, a neutralida­de do Estado em matéria religiosa, pode parecer um preciosism­o teórico, mas não é. É a garantia de que, ao menos nessa esfera, minorias estão protegidas da tirania da maioria —direito cuja consecução é uma das razões de ser da Justiça.

Registre-se que a oração em espaços republican­os é uma violação à laicidade bem mais grave que a invocação da proteção de Deus que consta do preâmbulo da Constituiç­ão. Enquanto a segunda ainda pode ser interpreta­da (erroneamen­te, a meu ver) como uma menção genérica, não associada a nenhuma fé específica, rezas, preces e mandingas são indissociá­veis das tradições religiosas em que emergiram.

A missão de que Bolsonaro incumbiu Mendonça não é o maior dos problemas do indicado. A Carta exige dos candidatos a ministro da corte máxima duas condições: o notório saber jurídico e a reputação ilibada.

Mendonça, enquanto exerceu a função de ministro da Justiça, mandou abrir vários inquéritos contra cidadãos (eu incluído) que só haviam emitido opiniões não muito favoráveis ao presidente. Ou ele não sabe a diferença entre liberdade de expressão e crime, com o que infringe a primeira condição, ou exibe ímpeto bajulatóri­o incompatív­el com uma boa reputação. Se eu fosse senador, não o aprovaria.

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