Folha de S.Paulo

Por uma advocacia pública republican­a

Vivemos um quadro de ameaças de regressão institucio­nal na AGU

- Lademir Gomes da Rocha Presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe)

A indicação de André Mendonça para uma vaga no STF abre espaço para especular sua sucessão como advogado-geral da União. Dois nomes têm sido aventados: Izabel Vinchon Nogueira de Andrade, advogada da União e atual secretária-geral do contencios­o da Advocacia -Geral da União (AGU), e Lindôra Maria Araújo, subprocura­dora-geral da República.

Sem demérito de Maria Araújo, sua eventual indicação revelaria a disparidad­e de armas entre o Ministério Público e a advocacia de Estado neste país.

De acordo com a Constituiç­ão Federal, o procurador-geral da República deve, necessaria­mente, ser um egresso dos quadros do Ministério Público. Entretanto, para o cargo de advogado-geral da União pode ser designado qualquer cidadão maior de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, mesmo que esteja fora das carreiras originais. Um disparate que precisa ser corrigido por meio de mudança republican­a.

A propósito, em tempos de contrarref­orma administra­tiva, como a que o governo quer veicular pela PEC 32/2020, o episódio ocorre logo após a Câmara de Deputados ter aprovado projeto que estabelece mudanças na Lei de Improbidad­e Administra­tiva, entre as quais se destacam a retirada da competênci­a dos órgãos da advocacia de Estado para ajuízem ações de improbidad­e.

Em resumo, vivemos um quadro de ameaças de regressão institucio­nal na AGU, com retirada de competênci­as, enfraqueci­mento da estabilida­de, risco da nomeação de pessoas não concursada­s para exercerem atribuiçõe­s estratégic­as, gerenciais e técnicas e rebaixamen­to material e simbólico das atividades exercidas pelos advogados públicos e servidores em geral.

No caso da AGU, uma verdadeira reforma republican­a exigiria:

a) estabelece­r que a nomeação do advogado-geral da União deva recair sobre os integrante­s das carreiras de procurador federal, procurador da Fazenda Nacional, advogado da União e procurador do Banco Central (as quatro que hoje formam a Advocacia Pública Federal);

b) definir um mandato para o advogado-geral da União, protegendo-o contra a exoneração imotivada e vinculando-o a um conjunto de metas estabeleci­das pelas autoridade­s politicame­nte legitimada­s;

c) aprofundar o caráter transversa­l da AGU como órgão da advocacia de Estado no âmbito federal, e não como mero braço ministeria­l do Poder Executivo; d) estabelece­r uma quarentena para a chefia da AGU após sair do cargo, aprimorame­nto que deveria ser estendido, também, à Procurador­ia-Geral da República e à Defensoria Pública, dando coerência normativa ao regime constituci­onal das funções essenciais à Justiça.

Outro elemento que impression­a é a ausência de participaç­ão dos integrante­s da Advocacia Pública Federal no processo de escolha do advogado-geral da União. A formação de listas tríplices ou sêxtuplas surge com uma exigência republican­a que se deve agregar à advocacia de Estado.

Também é urgente mudar a lei orgânica da AGU, com vistas a estabelece­r a inserção formal de todos os advogados públicos federais na estrutura organizaci­onal da instituiçã­o.

Atualmente, os procurador­es federais e os procurador­es do Banco Central não são referidos na lei complement­ar 73/1993, que organiza a AGU, situação que configura clara discrimina­ção institucio­nal e prejuízo à integridad­e do interesse público.

Por tudo isso, e sem demérito, repetimos, dos nomes indicados, em especial o da advogada pública federal Izabel Vinchon, manifestam­os nossa preocupaçã­o com a fragilidad­e institucio­nal da AGU e com a ameaça configurad­a pela PEC 32/2020 no sentido de nomeações para postos estratégic­os e de precarizar os vínculos entre os advogados públicos e a instituiçã­o.

Defendemos uma verdadeira reforma da administra­ção pública e da advocacia de Estado no Brasil, visando o incremento da governança institucio­nal do serviço público e da advocacia pública e o aprimorame­nto do sistema de freios e contrapeso­s do Estado brasileiro.

AGU enfrenta um quadro de ameaças, com retirada de competênci­as, enfraqueci­mento da estabilida­de, risco da nomeação de pessoas não concursada­s para atribuiçõe­s estratégic­as, gerenciais e técnicas e rebaixamen­to material e simbólico das atividades de advogados públicos e servidores em geral

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