Folha de S.Paulo

Com crises em série, Bolsonaro tem que lidar com mais uma: a de soluço

- Daniel Carvalho e Natália Cancian

brasília No momento mais turbulento de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro vem tendo que lidar com mais uma crise, que, embora tenha a ver com saúde, não está relacionad­a com a compra de vacinas —a de soluços.

Já são 11 dias de reiteradas interrupçõ­es em interações com apoiadores, live e entrevista por causa de contrações involuntár­ias do diafragma.

No Google, houve aumento repentino de pesquisas com os termos “bolsonaro passa mal”, “crise de soluço bolsonaro” e “bolsonaro soluço”.

O próprio presidente abordou o tema com apoiadores e em uma entrevista no dia 7.

“Peço desculpa a todos que estão me ouvindo, porque eu estou com soluço já tem cinco dias. Eu fiz uma cirurgia para implante dentário no sábado [3], já aconteceu comigo no passado, talvez, em função dos remédios que eu estou tomando, eu estou 24 horas por dia com soluço”, disse à rádio Guaíba.

Ao ser aconselhad­o pelo âncora a levar um susto para se livrar dos soluços, o presidente disse: “por enquanto, não estou assustado com nada que acontece no governo”.

Depois da conversa que teve com o presidente do STF, Luiz Fux, nesta segunda (12), Bolsonaro concedeu entrevista de cerca de 30 minutos, mas só soluçou no começo.

Nesta terça (13), conseguiu fazer um discurso inteiro sem interrupçõ­es orgânicas. Mas a paz durou pouco tempo.

Pouco depois da cerimônia no Palácio do Planalto, chegou de motociclet­a ao Palácio da Alvorada e voltou a soluçar com apoiadores.

“Estou sem voz, pessoal. Se eu começar a falar muito, volta a crise de soluço” alertou.

“Já voltou o soluço”, disse em seguida. Posou para fotos e gravou vídeo para um apoiador. “Está ruim de falar.”

O presidente relatou à claque que um colega da Marinha havia dado uma solução para os soluços. Ele experiment­ou, mas o efeito não durou muito tempo.

“Testei duas vezes hoje e deu certo: tomar água com o copo invertido. Eu estava arrebentad­o. Fui para o banheiro e [faz gesto de beber água]. Agora, a gente começa a tomar a água aqui [aponta para a boca] e sai pelo nariz.” Mas o que é o soluço? “É uma contração abrupta do diafragma, o músculo da respiração, seguido de fechamento abrupto da glote, que é como uma tampinha que impede que a comida entre na traqueia. O fechamento abrupto da glote é que dá o ruído tradiciona­l do soluço”, afirma o gastroente­rologista clínico Ricardo Barbuti.

Entender esse processo ajuda a entender possíveis causas, segundo o especialis­ta.

“Qualquer músculo do corpo precisa de estímulo para contrair, e o diafragma não foge à regra, Quem dá estímulo para ele é o nervo frênico, um ramo de outro nervo importante, o vago. Qualquer coisa que irrite o nervo frênico ou vago nesse trajeto até o diafragma pode dar soluço.”

Segundo Barbuti, um dos fatores mais comuns é a doença do refluxo gastroesof­ágico, em que há uma irritação do esôfago. Bolsonaro já afirmou sofrer de refluxo.

Outras causas também podem estar relacionad­as, como um estímulo direto sobre o diafragma. Ingerir líquidos muito gelados também pode levar a soluço, em casos mais simples.

Estresse emocional, mudança de temperatur­a, aerofagia (quando a pessoa engole muito ar ao consumir alimentos), consumo de bebidas com gás e álcool, por exemplo, também podem levar ao quadro, geralmente temporário, de acordo com o otorrinola­ringologis­ta Geraldo Druck Sant’Anna.

Ele explica que o quadro costuma durar pouco tempo —às vezes, uma crise pode durar 48 horas. “E tem pessoas com soluço por mais tempo, o que faz com que tenha que entrar em investigaç­ão.”

Nesse caso, diz ele, o soluço pode estar ligado a um quadro maior, como alterações no pescoço, no esôfago ou na tireoide, além de alterações no sistema nervoso, metabólica­s (como diabetes), problemas renais, uso de alguns medicament­os, entre outros.

“As pessoas acham que o problema é sempre no estômago, mas pode ser até longe do estômago”, diz Barbuti.

O caso deve ser avaliado em conjunto com o médico, por meio do exame do paciente e análise do histórico de saúde, dizem os especialis­tas, que evitam comentar o caso específico do presidente.

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