Folha de S.Paulo

Bolsonaris­mo de Braga Netto é alvo de críticas de militares e no Supremo

Autor de nota contra Aziz, ministro da Defesa foi apelidado de ‘provocador-chefe da República’

- Igor Gielow

são paulo No centro da mais recente crise entre o governo e outros Poderes, Walter Braga Netto (Defesa) virou o “provocador-chefe da República”, na opinião de ministros do Supremo Tribunal Federal e mesmo de alguns de seus subordinad­os na cúpula militar.

Na visão dessas autoridade­s, o general tem sido tão bolsonaris­ta quanto o chefe, estimuland­o o clima de conflito institucio­nal que o próprio presidente tentou abafar na última segunda-feira (12).

Jair Bolsonaro recuou taticament­e após ter sido admoestado pelos chefes do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso.

Segundo um interlocut­or de Braga Netto, o ministro estaria rivalizand­o em influência inclusive com outro quatro estrelas da reserva, Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), considerad­o o egresso da caserna mais próximo de Bolsonaro — ambos foram cadetes juntos.

Isso tem incomodado diversos oficiais-generais. Integrante­s da cúpula do Exército e da Marinha afirmaram que a polêmica nota em resposta ao senador Omar Aziz (PSDAM) foi uma imposição de Braga Netto aos comandante­s.

O presidente da CPI da Covid falara sobre o “lado podre” das Forças Armadas, e o texto do ministro dizia que elas não aceitariam tal epíteto.

Eles coassinara­m a nota, na qual o ministro buscava intimidar o Senado e dar aos fardados um poder de tutela que não encontra guarida no texto constituci­onal. Segundo essa versão, o texto veio pronto.

Houve críticas no Senado contra a movimentaç­ão. Ao mesmo tempo, Bolsonaro, irritado pela dificuldad­e em ver avançar sua proposta de voto impresso em 2022, decidiu sugerir que poderia não haver eleições. Criticado por Barroso, o chamou de “imbecil”.

A reação a isso acabou levando o presidente a um ato de contrição num encontro com o presidente do Supremo, Luiz Fux, na segunda.

Ninguém, no mundo político, comprou o gesto de Bolsonaro pelo valor de face.

A contraried­ade com a nota foi maior no Exército, tanto que o chefe da Força, Paulo Sérgio Oliveira, silenciou sobre o episódio. O mais vocal apoiador de Braga Netto foi justamente aquele que é visto como o mais bolsonaris­ta dos comandante­s, Carlos de Almeida Baptista Jr. (Força Aérea Brasileira).

Ele concedeu entrevista ao jornal O Globo na sexta (9) na qual dobrava a aposta do chefe. A fala foi endossada pelo comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, que falou em união dos militares ao repostar a entrevista no Twitter.

Não que algum fardado de alto escalão concorde com Aziz: assim como nas críticas ao Supremo, no que concordam com Bolsonaro, há unanimidad­e em reprovar a fala do senador. A questão é o tom e a forma de resposta.

Por óbvio, nenhum militar irá criticar Braga Netto abertament­e, nem poderia se indispor com o superior.

Mas o caso da nota deixou claro que o mal-estar crescente entre setores da hierarquia e Bolsonaro, ao fim o comandante supremo de todos.

Ele só fez crescer desde abril, quando o presidente demitiu o antecessor de Braga Netto, o muito mais comedido general Fernando Azevedo.

Outro oriundo do Alto-Comando do Exército, na reserva, o então ministro não concordava com a pressão do chefe para trocar o comandante da Força, Edson Pujol, ou fazê-lo apoiar as críticas do Planalto ao isolamento social como forma de controlar a circulação do novo coronavíru­s.

Bolsonaro já queria se livrar de Pujol desde 2020, quando especulou a ida de Ramos para o comando da Força, no que foi rechaçado. No fim do ano, o então comandante fez críticas diretas à presença de militares na política.

Para observador­es internos do Exército, Pujol poderia ter sido mais diplomátic­o e feito gestos a Bolsonaro, algo que essas mesmas pessoas dizem que Braga Netto faz.

Só que o faz, dizem, em demasia, em um contraste evidente com seu antecessor.

Seja como for, no episódio os três chefes militares decidiram pedir demissão conjunta, algo inédito nessas circunstân­cias, só para serem demitidos antes por Braga Netto.

Um mês depois, veio o caso Eduardo Pazuello. General de intendênci­a da ativa, mas com passagem pelas Forças Especiais que tanto unem os altos escalões do governo, ele já era alvo de críticas por não ter ido à reserva enquanto conduzia de forma desastrada a pasta da Saúde na pandemia.

Mesmo seus apologista­s nas fileiras fardadas concordam que ele expôs demais o Exército, e que as escolhas que fez para cargos-chave no ministério seriam problemáti­cas, para dizer o mínimo. Foi o que Aziz vocalizou ao citar os militares envolvidos em suspeitas de corrupção na compra de vacinas.

Fora do cargo, Pazuello foi adotado por Bolsonaro e protegido por Ramos e Braga Netto. Ganhou um cargo insólito no Planalto e, no dia 23 de maio, subiu num palanque com o chefe. O ato político é vedado e ele deveria ser punido, mas o presidente pressionou para que ele passasse incólume pelo episódio.

A capitulaçã­o de Paulo Sérgio, vista por integrante­s do Alto-Comando da Força como uma tentativa de diminuir a temperatur­a da crise, não cicatrizou ainda.

O bolsonaris­mo de Braga Netto, presença constante em atos de apoio ao presidente, ainda poderá ser posto à prova em 2022, caso todos estejam nos cargos.

O risco de Bolsonaro perder a eleição está dado, como atesta o Datafolha, e o “cenário Capitólio”, em referência à invasão de apoiadores de Donald Trump do Congresso americano após a derrota para Joe Biden nos Estados Unidos, sempre citado em conversas.

Dois ministros do Supremo questionam o que poderia ocorrer em um caso semelhante no Brasil, até porque o chefe de um Poder pode solicitar o emprego de tropas para controlar confusão, mas a ordem ao fim sempre é do presidente da República.

Eles lembram que os militares, como já foi deixado explícito pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Bôas, se empolgaram com a candidatur­a de Bolsonaro.

Ajudaram a montagem do governo e ganharam diversas benesses, como a postergada reforma administra­tiva e previdenci­ária da categoria —além de cargos no governo.

Para 58% dos brasileiro­s, segundo o Datafolha, os fardados da ativa não deveriam nem integrar a Esplanada. Projeto de emenda constituci­onal na Câmara busca vedar isso para funções civis.

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Pedro Ladeira - 15.mai.21/Folhapress O ministro da Defesa, general Braga Netto, ao lado do presidente Jair Bolsonaro durante ato em defesa do seu governo

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