Folha de S.Paulo

Quem é André Mendonça, indicado por Bolsonaro para vaga no Supremo

Atual AGU, pastor teve gestão como ministro da Justiça criticada por usar LSN contra opositores

- Daniel Carvalho

brasília Quando lhe perguntava­m se ele seria o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) “terrivelme­nte evangélico” mencionado pelo presidente Jair Bolsonaro, André Luiz de Almeida Mendonça, 48, respondia: “Não sei o que é o terrivelme­nte. Eu sou evangélico”.

Sua indicação para a vaga aberta com a aposentado­ria de Marco Aurélio Mello foi formalizad­a no Diário Oficial da União desta terça-feira (13).

O atual ministro da AGU (Advocacia-Geral da União) é pós-graduado em direito pela UnB (Universida­de de Brasília) e pastor na Igreja Presbiteri­ana Esperança, na capital federal. É doutor em Estado de Direito e governança global e mestre em estratégia­s anticorrup­ção e políticas de integridad­e pela Universida­de de Salamanca, na Espanha.

A escolha de Mendonça, contumaz defensor do presidente, representa ainda aceno à base evangélica de Bolsonaro, que desde 2019 prometia indicar um nome “terrivelme­nte evangélico” para o STF.

A promessa foi descumprid­a em outubro de 2020, quando escolheu Kassio Nunes Marques para a vaga de Celso de Mello. Mas agora, com o eleitorado evangélico dividido entre Bolsonaro e o expresiden­te Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o chefe do Executivo cumpriu o que prometeu.

Nascido em Santos (SP), Mendonça integra a AGU desde 2000, quando encerrou sua atividade como advogado concursado da Petrobras (1997-2000). No governo Michel Temer (MDB), foi corregedor na gestão de Fabio Medina Osório como AGU.

Em outubro de 2002, publicou no jornal Folha de Londrina um artigo otimista sobre a eleição de Lula. No texto, intitulado “O povo se dá uma oportunida­de”, Mendonça diz que “o Brasil cresceu e seu povo amadureceu, restando consolidad­a a democracia não só porque o novo presidente foi eleito pelo povo, mas porque saiu do próprio povo”.

Ele conheceu Bolsonaro em 21 de novembro de 2018, no mesmo dia em que foi escolhido para comandar a AGU. A conversa, no gabinete da transição no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) de Brasília, durou cerca de 40 minutos.

O então presidente eleito nada perguntou. Os questionam­entos ficaram a cargo do general Augusto Heleno, que assumiria o GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal), e de Jorge Oliveira, que seria ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a, responsáve­l por analisar o currículo de Mendonça e apresentá-lo ao chefe, antes de ser indicado ao Tribunal de Contas da União.

No governo Bolsonaro desde o primeiro dia, Mendonça apadrinhou a indicação de Milton Ribeiro, também pastor presbiteri­ano, para chefiar o Ministério da Educação.

Em abril de 2020, Mendonça deixou o comando da Advocacia-Geral da União para assumir o Ministério da Justiça após a saída de Sergio Moro.

Na posse como ministro, foi elogiado por Bolsonaro. “Temos aqui um gigante do Vale do Ribeira. Esse pequeno grande homem, de um cérebro, de uma mente invejável. Muito obrigado por existir, meu prezado, depois da Damares, terrivelme­nte evangélico.”

Quem trabalhou com Mendonça diz que a religião é algo muito presente no dia a dia dele. Assessores o descrevem como alguém muito educado e atribuem isso à religiosid­ade.

Essa caracterís­tica agrada a Bolsonaro, que, em uma entrevista recente, disse que o subordinad­o levou os colegas às lágrimas em uma reunião ministeria­l quando afirmou sua convicção religiosa.

À frente do Ministério da Justiça, Mendonça protagoniz­ou episódios polêmicos que o ajudaram a conquistar parte da resistênci­a que encontra até agora no meio político.

A maioria deles envolvia a LSN (Lei de Segurança Nacional), um resquício da ditadura militar (1964-1985) que voltou a ser usado contra críticos do presidente a pedido do próprio Bolsonaro.

Segundo relatos de assessores, no começo da gestão Bolsonaro, em sua primeira temporada como ministro da AGU, Mendonça chegou a fazer uma apresentaç­ão da LSN, mostrando como a lei estava praticamen­te morta.

Mas, depois, quando passou a ser instado pelo chefe a defendê-lo daquilo que considerav­a ofensas, o ministro passou a argumentar que estaria prevarican­do se não seguisse a legislação. Um projeto para revogar a LSN está no Senado.

Como ministro da Justiça, ele também causou polêmica ao apresentar habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub para evitar um depoimento ao STF no âmbito do inquérito das fake news.

A decisão foi criticada por especialis­tas por ter sido o ministro da Justiça, e não a Advocacia-Geral da União ou um advogado pessoal, a apresentar o pedido e também por se tratar da defesa de alguém que criticava o Judiciário.

Também no ano passado, ele foi alvo de críticas por causa de um relatório produzido pelo governo sobre a atuação de 579 professore­s e policiais identifica­dos como antifascis­tas. Segundo reportagem do UOL, o Ministério da Justiça, sob comando de Mendonça, produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografia­s e endereços de redes sociais das pessoas.

A pasta afirmou ao STF à época que não produz “dossiê” contra opositores e que nunca monitorou adversário­s com “viés investigat­ivo, punitivo ou persecutór­io penal”.

Em resposta à corte, o então ministro da Justiça disse não negar a existência deste tipo de levantamen­to, mas disse que a pasta atua conforme a lei que disciplina a atividade de inteligênc­ia do governo.

Em março deste ano, Mendonça deixou a pasta da Justiça e voltou a chefiar a AGU. A mudança ocorreu em meio a uma dança das cadeiras promovida por Bolsonaro.

Já novamente como advogado-geral da União, Mendonça voltou a ser alvo de críticas por usar argumentos religiosos para defender no STF a reabertura de templos em meio à pandemia de Covid-19.

Ele afirmou que os cristãos estão dispostos a morrer pela fé e fez diversas citações à Bíblia e a Deus. Disse ainda que aquele julgamento não era um debate entre vida e morte e que vivíamos em uma “sociedade tensa” em que parecia ser proibido divergir da posição de outras pessoas.

Após sua indicação ao STF ser formalizad­a, Mendonça divulgou nota em que agradece a Deus “pela vida e por essa possibilid­ade de servir” o país. Também agradece a Bolsonaro, líderes evangélico­s e parlamenta­res que o têm apoiado.

“Coloco-me à disposição do Senado Federal. De forma respeitosa, buscarei contato com todos os membros, que têm a elevada missão de avaliar meu nome. Por fim, ao povo brasileiro, reafirmo meu compromiss­o com a Constituiç­ão e o Estado democrátic­o de Direito. Deus abençoe nosso país!”, escreveu o indicado.

Mendonça foi procurado pela Folha, mas ignorou as tentativas de contato.

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Ueslei Marcelino - 17.dez.20/Reuters André Mendonça, ainda no cargo de ministro da Justiça, em cerimônia no Palácio do Planalto

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