Folha de S.Paulo

Bolsonaro tem de sair, mas ir para a rua contra ele é falta de coerência

Médico, ex-deputado e ex-candidato a presidente defende senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) como nome da terceira via

- Fábio Zanini

são paulo Ex-deputado federal e ex-candidato a presidente em 2014, Eduardo Jorge (PV) diz que está louco para sair às ruas gritando pelo impeachmen­t de Jair Bolsonaro.

Mas ele afirma que por enquanto fará pressão de casa, em respeito às orientaçõe­s de especialis­tas para não gerar aglomeraçã­o. Médico, critica a oposição de esquerda por encher locais como a avenida Paulista.

“Qual é a autoridade sanitária que indica que podem ser feitas aglomeraçõ­es desse tipo, seja pelos apoiadores do Bolsonaro ou por nós, que somos contra ele? É falta de coerência”, diz.

Ex-petista, Jorge defende uma terceira via e declara apoio ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Num segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente, não revela como se posicionar­ia. Em 2018, quando foi vice na chapa de Marina Silva (Rede), anulou o voto na etapa final, e diz não se arrepender.

Aos 71 anos, retomou as atividades na Secretaria de Saúde do estado de São Paulo, da qual é servidor concursado há 45 anos. Ainda não sabe se disputará cargo eletivo no ano que vem. “Meu partido me considera muito radical”, diz.

Qual sua opinião sobre o impeachmen­t de Bolsonaro?

Eu defendo [o impeachmen­t], desde março de 2020. Fui um dos primeiros. Quando a pandemia chegou, Bolsonaro deu declaraçõe­s completame­nte estapafúrd­ias. Tenho experiênci­a de combate à epidemia de dengue em São Paulo.

É muito importante o exemplo que vem de cima, porque exige mobilizaçã­o popular, mudança de hábitos. E se o ocupante do cargo principal do país diz o contrário, isso cria confusão na opinião pública, desorganiz­a o trabalho conjunto de União, estados, municípios. Para mim configurou imediatame­nte que ele ia boicotar, confundir e prejudicar o SUS. Eu sabia que era um desastre, uma coisa criminosa.

E o que fazer para concretiza­r o afastament­o?

Estou em vários grupos de WhatsApp, uns mais à esquerda, uns mais de centro. Eu ouvia de opositores já naquela ocasião: “Ah, o presidente tem apoiadores muito aguerridos, isso vai dar confusão, nós vamos brigar na rua, ele pode até se fortalecer”. Outros diziam: “Não vamos entrar porque vamos perder no Congresso, ou porque se ele sair entra o vice”.

E tem o pior, o cálculo eleitoreir­o [de não fazer o impeachmen­t] de que Bolsonaro vai se desgastar, vai facilitar a vitória da oposição em 2022. E eu argumentav­a que o problema é morrer ou deixar de morrer, ficar doente ou deixar de ficar doente. Não é problema político, é de saúde pública.

A oposição fez um cálculo político, sem se preocupar com a saúde?

Essa vacilação da oposição foi uma coisa muito grave. Aos poucos a oposição foi se convencend­o, porque a coisa ficou acachapant­e, um horror, de chegar a 500 mil mortes. E hoje a maioria e outros setores estão convencido­s de que tem de haver impeachmen­t. Mas ainda tem gente que faz cálculo político.

Como médico, qual sua opinião sobre as manifestaç­ões de rua?

Eu pergunto aos bolsonaris­tas ou aos oposicioni­stas o que as autoridade­s sanitárias falaram em relação a aglomeraçã­o, distanciam­ento, evitar esse tipo de coisas. Mudou alguma coisa? Mudou a situação da pandemia?

Estamos com patamar de mortos muito alto ainda. Qual é a autoridade sanitária que indica que podem ser feitas aglomeraçõ­es desse tipo, seja pelos apoiadores do Bolsonaro ou por nós, que somos contra ele? É falta de coerência, nesse momento.

E como se faz impeachmen­t sem ir para a rua?

Eu estou ansioso para ir para a rua. Meu coração bate acelerado. Mas eu não vou desobedece­r ao SUS. Vai todo mundo tomar vacina [e escreve]: “viva o SUS”. Então seja coerente, obedeça à autoridade sanitária, e quando houver condições, vamos com tudo para a rua. Então não vai fazer nada? Claro que vamos fazer. Vamos prestigiar a CPI, fazer pressão sobre as bases dos deputados. Isso é uma coisa muito eficiente.

Eu era líder do PT no impeachmen­t do Collor. Tínhamos mapeado cada deputado, qual era a posição, pedíamos que o pessoal que defendia o impeachmen­t fosse lá, conversass­e. É possível fazer, com as redes sociais. Não vamos parar a luta pelo impeachmen­t, mas não é ainda hora de ir para a rua, pode ser que em outubro, ou novembro. Agora não.

O sr. vê espaço para uma terceira via no ano que vem?

Eu vejo como necessidad­e em um país que quer superar essa fratura pré-guerra civil. Se eu sigo para uma reprise do segundo turno de 2018, como querem as duas forças principais, vamos perpetuar esse ambiente, que vai das famílias ao local de trabalho, por mais quatro anos. É uma coisa horrível, desgastant­e, cansativa. Os governos não funcionam, o Parlamento em transe, o Judiciário partidariz­ado. A terceira via é uma questão de reconstruç­ão do esteio democrátic­o, de ter governo com capacidade de enfrentar crise social, desemprego, crise ambiental.

E quem seria o nome?

Eu defendo Tasso Jereissati, porque a terceira via tem que ter uma capacidade de agregação muito além do normal. Tem que ser um sujeito com experiênci­a administra­tiva, capacidade de diálogo com setores conservado­res, liberais e socialista­s. E nesse rol que a gente tem hoje disponível, quem tem mais essa caracterís­tica é o Tasso. Ele tem credibilid­ade para dizer que vai fazer apenas um mandato, e depois em 2026 a diversidad­e e a riqueza da democracia podem se expressar. Mas agora não, não é uma eleição normal. Esse é o plano A, tem o plano B também.

Qual?

Ganhar do Bolsonaro no primeiro turno. Isso envolveria um moderado na cabeça de chapa e a esquerda, o Lula, o PT, indicar vice, pode ser um governador deles bem avaliado. E compor uma chapa para ganhar no primeiro turno.

Num segundo turno entre Lula e Bolsonaro, comoosr. vota?

Se eu acredito que é estratégic­o para o país não repetir o segundo turno de 2018, vou lutar até o último minuto por isso.

E se repetir?

Se repetir, vamos discutir na ocasião, porque fazer uma definição agora é enfraquece­r essa questão tão importante que é colocar uma terceira via no segundo turno.

Nãoé automático que osr. votaria contra o Bolsonaro, então?

Segundo turno se discute no segundo turno. Eu acho bom que o Lula seja candidato, quero deixar bem claro. Porque Lula é o verdadeiro mito, pelo que ele fez de positivo. Bolsonaro é o falso mito.

O sr. coloca num mesmo patamar Bolsonaro e Lula?

São totalmente diferentes. Não tem dúvida sobre isso. Pela possibilid­ade de você sentar e discutir. Quando FHC e Lula se sentam, você vê que é um nível de civilidade. Com Bolsonaro não há condições de sentar e discutir, porque ele não ouve ninguém.

Em 2018, no segundo turno, o sr. votou nulo. Se arrepende?

Não. Naquela ocasião, no começo, o PT desejava que o Bolsonaro chegasse no segundo turno, torcia ardentemen­te. No meio da eleição, o Lula viu que tinha se enganado, porque o nível de rejeição da população a ele era muito maior do que se imaginava.

Havia uma solução heroica, que era o PT apoiar um dos candidatos mais moderados, porque esse venceria o Bolsonaro. E se recusaram, sabendo que iam perder, mas manteriam a hegemonia da esquerda. E voltariam nos braços do povo na eleição de 2022. Era uma farsa. E eu não quis participar de uma farsa dessas.

Mas olhando tudo o que aconteceu nesses últimos anos anos de governo Bolsonaro, o sr. continua convicto de que o voto nulo foi a melhor opção?

Claro, porque votar no PT era fazer parte da farsa que o PT montou.

Como um dos pais do SUS na Constituiç­ão, o que acha da resposta do sistema de saúde pública à pandemia?

Nunca vi um nível de reconhecim­ento, de agradecime­nto popular como estou vendo agora. O SUS em 1990 parte de um patamar muito baixo e vai subindo a montanha em direção ao nosso objetivo, inclusive com orçamentos muito restritos.

A gente trabalha com R$ 3 por pessoa por dia, para fazer vacina e para fazer transplant­e de coração. Mas para chegar nos nossos paradigmas, que são o sistema inglês, o canadense, o da Suécia, ainda está longe. E a população ainda vai nos cobrar muito.

O que é mais importante, colocar mais dinheiro ou fazer reformas, com participaç­ão da iniciativa privada?

Às vezes o pessoal mais à esquerda acha que o SUS é uma proposta soviética, ou cubana. Não é. É porque não leram a Constituiç­ão. Lá diz que a questão chave é a oferta do serviço universal. O financiame­nto é público, mas o trabalho articula a rede estatal, a filantrópi­ca e a privada. Num país em que faltam recursos, você não pode alienar ninguém.

Que papel a questão ambiental vai ter na eleição de 2022, após tantas polêmicas no governo Bolsonaro?

Qualquer político, seja conservado­r, liberal ou socialista hoje tem que colocar economia, social e ambiental no mesmo patamar. Se não for, é alguém do século 20, não é do século 21. O Brasil é um player fundamenta­l no jogo da sustentabi­lidade, do combate às mudanças climáticas, e está devendo de forma escancarad­a, por causa do governo Bolsonaro. E os partidos ambientali­stas do Brasil estão devendo ao Brasil. Você tem dois que são muito fracos [Rede e PV] e não estão à altura do desafio.

Poderia haver uma fusão entre eles?

Essa separação nunca deveria ter existido.

“Defendo Tasso Jereissati porque a terceira via tem que ter capacidade de agregação muito além do normal. Tem que ser um sujeito com experiênci­a administra­tiva, capacidade de diálogo com setores conservado­res, liberais e socialista­s.

 ?? Eduardo Knapp/Folhapress ?? Eduardo Jorge, 71
Formado em medicina pela UFPB (Universida­de Federal da Paraíba), com especializ­ação em medicina preventiva e saúde pública pela USP. Foi deputado federal pelo PT (1987-2005), secretário municipal de Saúde (1989-90 e 2001-02) e Meio Ambiente (2005-12); candidato a presidente em 2014 e a vice em 2018, ambos pelo PV
Eduardo Knapp/Folhapress Eduardo Jorge, 71 Formado em medicina pela UFPB (Universida­de Federal da Paraíba), com especializ­ação em medicina preventiva e saúde pública pela USP. Foi deputado federal pelo PT (1987-2005), secretário municipal de Saúde (1989-90 e 2001-02) e Meio Ambiente (2005-12); candidato a presidente em 2014 e a vice em 2018, ambos pelo PV

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil