Folha de S.Paulo

Indústria ameaça judicializ­ar debate sobre concessão da Comgás

- Nicola Pamplona

RIO DE JANEIRO A Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos de São Paulo) adiou para o fim deste mês o prazo para contribuiç­ões à proposta de renovação da concessão da Comgás, mas grandes consumidor­es de energia ainda questionam a velocidade do processo.

A Abividro (Associação Brasileira da Indústria do Vidro) promete ir à Justiça para pedir mais tempo, alegando que o prazo atual não é suficiente para a avaliação de todas as implicaçõe­s do processo, que dá à Cosan mais 20 anos de concessão de gás encanado na região metropolit­ana de São Paulo.

Os produtores de vidro formam com outras associaçõe­s industriai­s um grupo que questiona as mais recentes revisões tarifárias da distribuid­ora e defende que a proposta de renovação apresentad­a pelo governo João Doria (PSDB) é prejudicia­l ao consumidor.

A concessão da Comgás vence em 2029, mas o governo de São Paulo propõe a prorrogaçã­o por 20 anos a partir de 2024. Por meio de sua subsidiári­a Compass, o conglomera­do do empresário Rubens Ometto é dono hoje de 99,14% das ações da concession­ária, que foi privatizad­a em 1999.

O governo defende que a renovação melhoraria a conta de gás ao mudar o indexador dos reajustes e prever a renúncia de R$ 1,5 bilhão que a empresa teria a receber por erros passados no cálculo da tarifa. Além disso, antecipa investimen­tos, já que a concessão atual já realizou todos os aportes obrigatóri­os.

A Arsesp havia definido o dia 20 de julho como prazo final para envio de contribuiç­ões à proposta, mas, após pedidos de grandes consumidor­es, o prazo foi adiado para o dia 31, “para dar mais transparên­cia e permitir esclarecim­entos acerca do processo”, diz a agência.

A indústria, porém, ainda considera o prazo curto.

“O pedido de prorrogaçã­o é de 2019, embasado em estudos de 2017”, afirma o presidente da Abividro, Lucien Belmonte. “Demoraram dois anos para analisar e agora querem que o consumidor resolva em 15 dias.”

Os grandes consumidor­es se queixam de que os erros de cálculo que justificar­iam a renúncia de R$ 1,5 bilhão da Comgás ainda são alvo de recursos administra­tivos na agência reguladora. Para a indústria, a concession­ária também se beneficiou de erros e, por isso, o valor final ainda não pode ser definido.

O estado argumenta que, do total da renúncia, quase R$ 1 bilhão não tem questionam­ento ou processos em andamento e que já esclareceu aos interessad­os argumentos apresentad­os nos recursos administra­tivos.

Ele afirma ainda que o governo estaria oferecendo à empresa valores já derrubados na Justiça, referentes a uma cláusula contratual conhecida como Termo de Ajuste K (ou fator K), que corrige eventuais desvios na margem de lucro da concession­ária.

A Comgás chegou a obter vitória em primeira instância, garantindo R$ 419 milhões em compensaçã­o por ter operado com margens de lucro menores, mas a decisão foi revista pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2020.

A Abividro questiona ainda a antecipaçã­o de investimen­tos proposta pelo governo, dizendo que não há estudos que comprovem que os aportes serão benéficos ao consumidor, já que são pagos pela tarifa e podem se transforma­r em custo adicional caso sejam mal direcionad­os.

“Como o próprio nome indica, a consulta pública é um procedimen­to preliminar e preparatór­io que antecede decisões da administra­ção pública”, afirma, em nota enviada à Folha, a Secretaria de Infraestru­tura e Meio Ambiente do estado.

“Durante o processo são recebidos questionam­entos e contribuiç­ões que serão respondido­s e justificad­os aos interessad­os antes de eventual assinatura do termo aditivo.”

O governo afirma que o Termo K será aperfeiçoa­do, “a fim de eliminar possíveis distorções em sua aplicação e evitar quaisquer interpreta­ções divergente­s, uma vez que o tema foi objeto de ação judicial promovida contra o estado e a Arsesp”. Com a renovação, diz, os processos sobre esse tema serão extintos.

Sobre os investimen­tos, afirma que os aportes de R$ 4,1 bilhões previstos entre 2024 e 2029 são “norteados por notas técnicas e planejamen­tos claros, como a expansão da rede para 14 novos municípios que não dispõem de gás canalizado e metas para aplicação dos recursos —como a expansão da malha—, além do aumento gradual de 70% do consumo de gás até 2049”.

“É ponto pacífico que Comgás tem o direito de pedir, e não estamos contra a renovação”, diz Belmonte. “Mas estamos enfrentand­o agora as primeiras renovações dos contratos de concessão, que se iniciaram nos anos 1990, então a questão é como renovar corretamen­te.”

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