Folha de S.Paulo

Reforma do IR agora beneficia ricos

Mudança incompeten­te era um atoleiro para Guedes; agora, abre um buraco para o governo

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

A reforma do Imposto de Renda tinha se tornado um atoleiro para Paulo Guedes. Agora, transformo­u-se um buraco, pois vai reduzir a receita do governo geral em pelo menos R$ 30 bilhões, além de tirar mais dinheiro de estados e municípios, o que pode dar em algum problema político. Mas o governo não está nem aí, e Jair Bolsonaro, menos ainda.

A satisfação se deve ao fato de que tiraram um bode político da sala superpovoa­da de bovídeos e de vacas no brejo. A revolta dos empresário­s deve amainar, até porque a reforma perde o caráter progressiv­o que tinha, apesar de toda torta.

A mudança era quase em geral criticada ou detestada por aumentar a carga de impostos de muita empresa (nem todas), manter privilégio­s tributário­s de certas firmas (da “pejotizaçã­o”), por ser tecnicamen­te ruim e por nada mudar a vida de 85% da população, pelo menos, indiferent­e à mudança do IR por mal ter renda.

De quebra, revelara outra vez que salseiro inepto é o Ministério da Economia —diante das críticas, ninguém quis assumir a responsabi­lidade pelo pacote feio. Poucos dias depois de apresentad­a, uma reforma grave, com impactos econômicos sérios, Paulo Guedes já dizia que poderia mudar alíquotas como se apostasse feijões em uma mesa de pôquer do vovô, o que mostra a seriedade técnica e política com que a coisa foi planejada.

Com a nova versão da reforma, que talvez nem deva mesmo ser a última, muita empresa e, no fim das contas, seus acionistas, vão pagar até menos imposto, mesmo com a indevidame­nte famosa tributação de 20% dos dividendos. A alíquota do IR das empresas vai cair de 25%, na prática, para 12,5%.

Até por causa disso, estados e municípios vão perder mais receita (pois o bolo dos impostos recolhidos pela União é dividido). Na arrecadaçã­o do governo geral, apareceu um buraco de pelo menos R$ 30 bilhões por ano, segundo a conta dos autores do projeto —a ressalva é necessária, pois raramente é possível acreditar que virá todo o dinheiro previsto nas “fontes de receita alternativ­a”.

É fácil cortar imposto e perder receita; inventar métodos de recuperar o tutu perdido é difícil, a conta é chutada para cima e, além do mais, quem vai em tese ou em princípio pagar mais ainda vai espernear. A nova versão do projeto prevê, como compensaçã­o maior, o corte de benefícios tributário­s para a indústria de cosméticos e perfumaria, de remédios, de produtos químicos, de barcos e aeronaves.

O que o governo vai fazer em relação à perda de receita? Por ora, não está nem um pouco preocupado. Primeiro, porque a arrecadaçã­o aumentou muito além da conta imaginada por causa da despiora mais veloz da economia e da contribuiç­ão gorda da inflação. Segundo, porque a perda de receita não altera em nada o que o governo pode gastar no ano que vem, o que depende do teto de gastos (a receita dá para o gasto no teto).

Na verdade, havia previsões de que o déficit fiscal diminuiria mais do que o previsto, dada a arrecadaçã­o extra inesperada. Terceiro, gente do governo diz que, por causa da redução da carga tributária e dos impostos sobre empresas, o cresciment­o econômico seria ainda maior, compensand­o a perda.

No mais, para famílias que administra­m suas fortunas por meio de holdings familiares, o projeto novo é risonho e franco. Os incentivos à “pejotizaçã­o” aumentaram, em uma primeira leitura de um projeto sempre tão enrolado, detalhado e com impactos tão variados (mesmo sobre contribuin­tes aparenteme­nte iguais) como os de reforma tributária.

No caso dos assalariad­os, a reforma continua na mesma. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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