Folha de S.Paulo

Uma fala inadmissív­el

Haverá eleições em 2022, mas podemos debater sempre a melhoria do sistema

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

Não existe nada inventado pelo ser humano que não possa ser melhorado. Ou piorado. Assim são produtos, processos, leis, assim também é o sistema eleitoral.

No caso brasileiro, o sistema de votação anterior, por meio de cédulas em papel —ainda utilizadas nos EUA, por exemplo—, foi modernizad­o com as urnas eletrônica­s a partir de 1996 em localidade­s-piloto e em 2000 para a totalidade dos eleitores.

É um sistema que o TSE garante ser seguro e dotado de possibilid­ade de auditoria em vários de seus segmentos, mas que falha em transmitir segurança ao eleitor que, por exemplo, não consegue comprovar de forma exequível que os boletins de cada urna (que se crê inviolável) batem com os relatórios oficiais consolidad­os.

O TSE capricha em parecer obscuro ao eleitor leigo que comumente desconfia de manipulaçã­o. Enquanto aparentar indecifráv­el e misterioso, é natural que parte significat­iva da população conteste a confiabili­dade do sistema.

Desde a implementa­ção das urnas eletrônica­s, o Brasil elegeu presidente­s, governador­es e prefeitos de variadas tendências políticas, de governo e de oposição. Nestas duas décadas, nunca houve comprovaçã­o de fraude no sistema de contagem.

Nada disso, contudo, deveria impedir uma discussão séria sobre possíveis melhorias ao sistema —todo debate é bem-vindo.

O que atrapalha melhorias é o estardalha­ço promovido nos últimos tempos pelo presidente Jair Bolsonaro, que na semana passada passou dos limites ao declarar sobre 2022: “Ou temos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. A declaração é inadmissív­el. Haverá eleições, o vencedor será empossado, e a vida segue.

A discussão atual sobre o sistema de votação tem como origem a infundada alegação do presidente da República de que o pleito de 2018 foi fraudado e que ele teria provas. Não as apresentou, entrou em modo looping, o assunto cresceu e virou uma prioritári­a bandeira bolsonaris­ta. Da forma como tem sido conduzida, configura uma espécie de chantagem para macular o resultado da eleição que nem ocorreu ainda. Mas só em caso de derrota, suspeito.

Cansados, alguns defendem gastar os R$ 2 bilhões, viabilizar as impressora­s anexas às urnas eletrônica­s que supostamen­te garantem maior confiabili­dade, e assim acabar com o chororô. Afinal, será uma melhoria: cara para o pagador de impostos, mas proporcion­a um aprimorame­nto ao possibilit­ar uma auditoria a mais no sistema.

Mas o sujeito que levanta suspeita antecipada de um processo do qual aceita participar não costuma sossegar após ter sua primeira demanda aceita. O risco é que mais demandas surjam até que o presidente esteja satisfeito, a seu exclusivo critério, de que serão “eleições limpas”. A ameaça velada (“vamos ter problema ano que vem se não implementa­rem a contagem pública de votos”) envolve não reconhecer uma eventual vitória de adversário, judicializ­ar a eleição e convocar seus eleitores a protestar. Não é assim que candidatos em países sérios se comportam.

A decisão final sobre melhorias no sistema e uma eventual adoção do voto auditável por meio das impressora­s precisa vir do Congresso. Para 2022, porém, a mudança parece improvável após 11 partidos e o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, se oporem.

Em tempo: as pesquisas do Datafolha divulgadas na semana passada e no fim de semana indicam aos liberais o caminho para 2022: há nítido espaço para aumentar o número de cadeiras no Legislativ­o —que deve ser o maior foco dos esforços liberais— bem como para governos de estados e eventualme­nte um candidato à Presidênci­a, ainda não colocado. Há muito trabalho pela frente.

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