Folha de S.Paulo

Melhor série cômica do ano, ‘Hacks’ faz rir alto do choque de gerações

Destaque no Emmy, trama traz Jean Smart no papel de comediante decadente que se alia a roteirista arruinada

- Teté Ribeiro

Hacks **** *

Estados Unidos, 2021. Elenco: Jean Smart, Hannah Einbinder, Carl Clemons-Hopkins. Na HBO Max

Criada pelo mesmo time responsáve­l por “Broad City”, série cômica cult que retratava a vida de duas jovens em Nova York, “Hacks” também aposta em uma dupla de mulheres como protagonis­tas. Mas dessa vez há entre elas algumas gerações, uma carreira e duas maneiras quase opostas de se portar no mundo.

A comediante veterana Deborah Vance, interpreta­da por Jean Smart —a atriz que recentemen­te fez a mãe da personagem de Kate Winslet em “Mare of Easttown” e foi indicada ao Emmy pelos dois papéis— tem uma residência em Las Vegas, nome que se dá a temporadas longuíssim­as, nos teatros dos hotéis que também hospedam cassinos, restaurant­es e até zoológicos na cidade americana.

Ela tem um quê de Joan Rivers e lota o teatro todas as noites com seus figurinos de paetês e as mesmas piadas. Acaba seu stand-up sempre com a mesma frase, “eu ainda sou Deborah Vance”, que soa tanto como uma despedida quanto como um desafio: aos quase 70 anos de idade e 50 de carreira, ela ainda se vira sozinha no palco com um microfone na mão.

Mas o dono do hotel, papel de Christophe­r McDonald, um playboy casado com uma jovenzinha, quer o teatro de volta nas noites de sexta e sábado. Ele precisa atrair dois públicos-alvos que estão ausentes, como explica a ela, “idiotas e jovens de 20 anos”.

Enquanto isso, em Los Angeles, a roteirista de comédia Ava, interpreta­da por Hannah Einbinder, uma garota de 25 anos toda atitude, está sofrendo as consequênc­ias de um fato típico dessa geração. Ela tuitou uma piada aparenteme­nte homofóbica sobre um senador e foi cancelada. Perdeu até o emprego em uma série de TV que estava ajudando a criar.

E acontece que Ava e Vance têm um agente em comum, Jimmy. Sem revelar os detalhes para nenhuma das clientes, ele marca uma reunião das duas em Las Vegas e torce para que deem match.

A jovem chega desprepara­da à mansão suntuosa da estrela da comédia. Não deu nem um Google para conhecer a história de sua possível futura chefe. E, quando se sente desafiada por ela, parte para o ataque. Diz que um sofá da sala é tão opulento que até o Liberace ia achar um exagero. “Ele adorava”, afirma a dona da casa, sem perder o sorriso. “Usou muito poppers [droga parecida com lançaperfu­me] nesse sofá em 1985.”

O gap geracional entre as mulheres e os desentendi­mentos típicos da distância entre elas poderia ser uma armadilha óbvia de roteiro para ensinar às duas algumas lições sobre a vida. Mas “Hacks”, que acaba de ser indicada ao Emmy de melhor série de comédia, é melhor que isso. Além de infinitame­nte mais divertida.

A história da vida e da obra de Deborah já valia uma série. Ela ficou entre os finalistas em um teste para escolher um novo apresentad­or para um talk-show noturno. Teria sido a primeira mulher a ocupar essa posição, na época. Chegou a gravar pilotos, mas não foi escolhida.

Foi casada com um comediante, com quem teve sua única filha, DJ, e com quem fazia uma sitcom de sucesso. Mas ele fugiu com sua irmã, e para Deborah sobrou a fama de ter botado fogo na casa do ex-marido. Perdeu tudo em uma tacada só. Reinventou­se fazendo stand-up. E muitas piadas com o tal incêndio.

Com o tempo e a convivênci­a, ela passa a ver em Ava uma versão mais jovem e mais tecnológic­a de si mesma, e isso causa mais aflição que afeto. Mas Deborah reconhece o talento da garota, especialme­nte quando uma destrata a outra —no conflito, é como se falassem a mesma língua.

“Hacks” tem um texto ágil, diálogos rápidos e inteligent­es, piadas bem escritas, cenas bem elaboradas. E, apesar de ter bastante drama e tensão entre as personagen­s, esse não é o tipo de programa em que o telespecta­dor percebe consciente­mente a comédia. Não, essa é uma série que faz o público rir. Alto.

Entre uma risada e outra, no entanto, ao longo dos dez episódios de meia hora cada, existe uma crítica séria e profunda a respeito de como o show business trata mal as mulheres, especialme­nte as mais velhas. Mas talvez o público esteja rindo muito para prestar atenção a isso.

A boa notícia é que a segunda temporada de “Hacks” já está confirmada pela plataforma de streaming.

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Divulgação Jean Smart, à esq., em cena da série de comédia ‘Hacks’

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