Folha de S.Paulo

O bode na sala da reforma tributária

-

Nelson Wilians*

Embora seja contada como piada, a estratégia parece funcionar. Conta-se que um lavrador, cansado das reclamaçõe­s da mulher e dos filhos com as condições em que viviam, foi pedir conselho ao padre, que disse a ele para colocar um bode na sala e retornar em uma semana. Passado esse tempo, o lavrador retornou e disse que todos estavam chateados, a casa estava uma sujeira danada e fedida.

O padre então deu a sugestão final: “tire o bode da sala e irá ver o que acontece”.

Feito isso, foi aquele alívio. A família o agradeceu, se prontifico­u a ajudar mais e elogiou sua bondade em solucionar aquele infortúnio.

Muitas vezes, o governo coloca o bode na sala e espera todos se digladiare­m. Mede as críticas, avalia os estragos, causa um desconfort­o geral para, então, “resolver o problema”.

Compromiss­o de Jair Bolsonaro desde a pré-campanha a presidente, a reforma tributária é uma nuvem ardente de divergênci­as.

O projeto enviado ao Congresso modifica a legislação do Imposto de Renda e da Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com alteração do IR de pessoas jurídicas e de pessoas físicas.

Ainda que o limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física suba para R$ 2.500, há redução da faixa de contribuin­tes que poderiam optar pelo desconto simplifica­do, que passa dos atuais R$ 83 mil para R$ 40 mil, na nova proposta. Isso deve acarretar uma tributação maior nos rendimento­s de cerca de 6,8 milhões de contribuin­tes.

Vale destacar ainda que esse ajuste na faixa de isenção é uma simples atualizaçã­o monetária da tabela do IR, congelada desde 2015, apesar da inflação crescente.

Entre outros pesares, vale destacar ainda a proposta de tributação sobre dividendos a uma alíquota de 20%. A isenção de tributação de dividendos de até R$ 20 mil por mês para pequenas e microempre­sas poderá gerar uma multiplica­ção de CNPJs, com a abertura de “novas empresas” para fugir da tributação.

Como bem comparou o mestre Ives Gandra, lembrando que no ano passado as empresas brasileira­s pagaram 34% de IR e CSLL, enquanto as americanas pagaram 21%: “Ora, o governo no momento propõe reduzir os 25% para 20%, mantendo os 9% da contribuiç­ão social, com o que a empresa pagará 29% de IR x CSLL — ainda maior do que o fantástico aumento nos Estados Unidos, que vai de 21% para 28% (...), acrescenta­ndo, todavia, 20% de IR nas distribuiç­ões”.

Não há pecado em querer tributar lucros e dividendos. Porém, denota-seque a reforma, que deveria modernizar estrutural­mente nosso sistema de tributação, vem apenas para manter a máquina burocrátic­a, com restrições à dedução de despesas e desestímul­o ao investimen­to e ao empreended­orismo. E mais: permitindo ainda alguns arcabouços jurídicos.

Claro que a questão é complexa e tromba com diferentes concepções jurídicas e interesses econômicos. De qualquer maneira, do jeito que está, a segunda fase da reforma não passa de um jogo de números.

Se aprovada atempo, de acordo coma regra constituci­onal, a nova lei entrará em vigor em janeiro de 2022.

Antes disso haverá, logicament­e, uma esfuziante discussão para, ao final do processo, o governo tirar o “bode da sala” e deixar ao contribuin­te apenas um belo aumento de carga tributária, para variar.

*Empreended­or, advogado, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados

 ?? Divulgação ?? O advogado e empreended­or Nelson Wilians
Divulgação O advogado e empreended­or Nelson Wilians

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil