Folha de S.Paulo

Apoio é lembrete incômodo para o petismo em 2022

- Igor Gielow

são paulo No distante 2005, Luiz Inácio Lula da Silva foi questionad­o pela Folha em Roma, onde o então presidente acompanhav­a o funeral de João Paulo 2º, se ele considerav­a Cuba uma democracia.

Como ocorrera antes e muitas vezes depois, o petista tentou sair pela tangente, balbuciand­o algo sobre a necessidad­e de ajudar a ilha de Fidel Castro a construir sua democracia, só para engatar a crítica ao embargo americano.

Passados 16 anos, nada mudou. Lula concedeu entrevista e fez postagem no Instagram dizendo que os grandes protestos em Cuba foram uma mera passeata, coisa trivial no país. Nem uma palavra sobre a repressão da ditadura ora dirigida por Miguel Díaz-Canel.

“Mas você não viu nenhum soldado em Cuba com o joelho em cima do pescoço de um negro, matando ele...”, afirmou a conta do petista, querendo evocar George Floyd.

Além de serem casos incomparáv­eis, o que dizer das diversas imagens de ação policial do domingo (11) na ilha?

Já o partido divulgou na segunda (12) uma nota na qual comunica seu “apoio ao povo e ao governo cubano”. O texto é um primor ao não citar os protestos e, ao mesmo tempo, culpar Washington por tudo de errado que ocorre na ilha.

O embargo dos Estados Unidos aos cubanos de fato é um entulho da Guerra Fria perdido em pleno no século 21, assim como o regime comunista cubano. Se retroalime­ntam.

O breve período de liberaliza­ção na relação bilateral, patrocinad­o por Barack Obama, insinuou uma saída possível.

E não se trata de defender que Cuba vire uma “plantation” dos americanos, como nos tempos de Fulgencio Batista.

Há muito mais dúvidas do que certezas nos protestos em curso, até porque a ilha vive um bloqueio de internet.

Claro que o apoio de Joe Biden aos manifestan­tes leva à acusação de que há uma quinta-coluna em ação, mas isso parece irrelevant­e ante o aparato repressivo do regime.

Tal opacidade, porém, não comove Lula e o petismo, isso para não falar em radicais livres como os do Partido da Causa Operária, sigla nanica célebre após atacar um punhado de tucanos num protesto contra Jair Bolsonaro, querendo briga em frente ao consulado cubano em São Paulo.

Pior para Lula e seu projeto de voltar à Presidênci­a no pleito de 2022, de preferênci­a com Bolsonaro exangue.

Assim como no tema da corrupção, que o partido quer deixar em segundo plano pela vidraça que a discussão lhe garante, falar sobre Cuba é tudo o que o petista não quer.

Claro que um petista poderá apontar que Jair Bolsonaro tem mais em comum com a ditadura esquerdist­a do chavismo na Venezuela do que Lula, mas será uma disputa entre roto e esfarrapad­o.

Lula, obviamente, pode acabar se benefician­do do fastio que tal discurso monocórdic­o do bolsonaris­mo tem causado no eleitorado brasileiro.

A intenção de voto de Bolsonaro está estacionad­a em 24%, mostrou o Datafolha, enquanto o ex-presidente surfa nos 46% em dois cenários de primeiro turno testados.

À medida que a campanha e a eleição presidenci­al de outubro de 2022 se aproximare­m, contudo, parece evidente que tais temas, corrupção e o apoio a ditadores, voltarão à baila no ano que vem.

Mesmo que não sejam decisivos para o resultado eleitoral, são lembretes incômodos para o candidato Lula acerca do DNA do partido que quer voltar a governar o país.

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