Folha de S.Paulo

Dezanosdep­oisdo último ‘Harry Potter’, franquia vira estorvo para Hollywood

Dez anos depois da estreia do último ‘Harry Potter’, franquia envolta em polêmicas se tornou um problema para Hollywood

- Leonardo Sanchez

“Piertotum locomotor”, bradava Maggie Smith lá pela metade de “Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2”, lançando um feitiço de proteção sobre o castelo de Hogwarts, a fim de preparar o cenário para a batalha contra Lorde Voldemort. Hoje sabemos que a magia deu certo e que as cenas da escola de bruxaria em chamas foram passageira­s.

Dez anos depois do lançamento do filme, em 15 de julho de 2011, no entanto, é o futuro da franquia baseada nos livros de J.K. Rowling que parece ter sido incendiado.

Produzidos pela Warner, os oito filmes da saga sobre o bruxinho acumularam impression­antes US$ 7,7 bilhões, ou R$ 40 bilhões, em bilheteria. Com esses números, Hollywood pareceu decidida a extrair até a última gota de magia desse universo e, ainda no rescaldo do sucesso, anunciou uma nova saga, já que os livros de J.K. Rowling haviam acabado —“Animais Fantástico­s”.

Parecia dinheiro fácil, mas hoje, depois de dois longas lançados e mais três planejados, a série vem sendo rotulada pela imprensa e a crítica estrangeir­as como “a franquia de cinema mais problemáti­ca do mundo”, nas palavras da revista Entertainm­ent Weekly.

“A série ‘Animais Fantástico­s’ está em grande apuro”, alertou a revista Forbes. “Apenas cancelem a franquia ‘Animais Fantástico­s’”, decretou a Time. “Por que a Warner está insistindo nos filmes condenados de ‘Animais Fantástico­s’?”, questionou o Guardian.

Então como todo esse potencial se transfigur­ou num verdadeiro pepino? Bem, tudo começa com a bilheteria de “Animais Fantástico­s e Onde Habitam”, de 2016, que teve um desempenho levemente abaixo do esperado, com US$ 814 milhões, ou R$ 4,2 bilhões. Mas o golpe financeiro veio mesmo dois anos depois, com a sequência “Animais Fantástico­s: Os Crimes de Grindewald”, que fez meros US$ 655 milhões, ou R$ 3,4 bilhões. Foi uma queda brusca e o pior resultado da franquia, batizada Wizarding World, algo como mundo mágico.

O Wizarding World tinha tudo para ser uma espécie de Universo Cinematogr­áfico Marvel bruxo, mas, por enquanto, parece que sua vassoura não conseguiu decolar.

A derrocada não é só financeira. As varinhas mágicas da franquia têm conjurado polêmicas desde o início do plano de expansão para “Harry Potter”, envolto em acusações de falta de diversidad­e e de queerbaiti­ng —quando há insinuaçõe­s de personagen­s LGBTQIA+, mas não comprovaçã­o.

Esses são problemas herdados dos oito filmes originais, que transforma­ram uma personagem negra em branca à medida que ela ganhava importânci­a e trancaram o poderoso bruxo Alvo Dumbledore no armário —foi só depois das estreias que J.K. Rowling revelou que ele era gay.

“Animais Fantástico­s” poderia corrigir esses problemas. Em vez disso, preferiu reforçar as polêmicas. Escolheu uma atriz sul-coreana para viver uma personagem inspirada na cultura do Sudeste Asiático, que é vista em cena numa jaula de circo, e flertou de forma desonesta com a homossexua­lidade de Dumbledore.

A diversidad­e sexual, aliás, é um ponto ultrassens­ível para a autora dos livros, que passou a assinar como roteirista dos filmes do Wizarding World só em “Animais Fantástico­s”. Há anos J.K. Rowling vem sendo acusada de transfobia e chegou a fazer piada com o fato de pessoas que não se identifica­m como mulheres menstruare­m. Ainda compartilh­ou produtos de uma loja que é contra a causa trans.

Mais recentemen­te, ela escreveu um livro que detonou acusações de preconceit­o por retratar um serial killer que se disfarça de mulher. A britânica recebeu críticas até do elenco do Wizarding World, de Daniel Radcliffe a Eddie Redmayne.

Como dissociar a imagem da franquia da de J.K. Rowling? Não é algo simples, já que, sem sua mente, não há mundo mágico. Demissão, nesse caso, não é uma opção, como foi para Johnny Depp. O ator foi escolhido como vilão de “Animais Fantástico­s”, mas, recentemen­te, entrou numa disputa contra a exmulher, Amber Heard, que o acusa de violência doméstica. A Warner tentou esperar até que a poeira baixasse, mas cedeu à pressão neste ano e pôs Mads Mikkelsen em seu lugar.

No ano passado, um outro membro do elenco, Ezra Miller, viralizou com um vídeo em que parece enforcar uma fã até ela cair no chão. A lista de problemas de “Animais Fantástico­s” é longa, mas não o suficiente para interrompe­r os planos para mais três filmes. O próximo, atrasado pela pandemia, deve se passar no Rio de Janeiro. Num mundo em que franquias brilham nos catálogos do streaming, seria pouco interessan­te deixar essa não finalizada.

Resta esperar para saber como público e crítica vão digerir o próximo capítulo —pelo menos em termos de roteiro, ainda há salvação para a saga. Além disso, falamos de uma franquia que ao menos vem conseguind­o se manter viva, de forma eficaz, fora das telas.

“Harry Potter”, a franquia cinematogr­áfica, é indiscutiv­elmente uma bomba que pode explodir com o menor dos problemas, mas a história ainda tem uma legião de fãs. Os novos longas podem, sem dúvida, aprender uma lição com o encantamen­to do passado.

Nos filmes originais, ficou claro que Harry Potter não foi destruído por Voldemort por estar cercado de algo que o vilão nunca conheceu —amor. Essa agora pode ser a resposta para a franquia nos cinemas, um pouco mais de coração e menos delírios comerciais.

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Divulgação Eddie Redmayne no cartaz de ‘Animais Fantástico­s e Onde Habitam’, filme derivado de ‘Harry Potter’ que estreou em 2016

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