Folha de S.Paulo

Gastos e reforma tributária

- Vanessa Rahal Canado

O sonho de qualquer narrador é enviar proposta de reforma tributária que reduza impostos, mas a redução da carga tributária depende da revisão dos gastos públicos. Grande parte do valor arrecadado destina-se a salários e benefícios. É mais difícil do que parece.

Coordenado­ra dos cursos de pós-graduação em direito do Insper, é consultora em política tributária e foi assessora especial do ministro da Economia entre 2019 e 2021

Nossa carga tributária é alta. A partir de 2003 demos um salto em direção aos 33% do PIB, que parece irreversív­el. Contudo, isso não impede a discussão sobre reforma tributária.

Claro que o sonho de qualquer narrador é enviar uma proposta de reforma tributária que reduza impostos. Seria garantia de ao menos um elogio. (fica a dica se alguém pretende debater reforma tributária a sério e ainda receber aplausos)

Entretanto, como alertam especialis­tas há tempos, a redução da carga tributária depende da revisão dos gastos públicos. Grande parte do valor arrecadado destina-se a pagar salários dos servidores e benefícios previdenci­ários e assistenci­ais. Reduzir carga tributária é mais difícil do que parece.

Mas, independen­temente do quanto se cobre de impostos, mudanças no desenho do sistema tributário podem resultar em mais ou menos cresciment­o econômico.

Ainda que a alteração das regras induza investimen­tos, isso não significa incremento do PIB. Pode parecer estranho, mas cresciment­o econômico não depende só de investimen­tos, mas de eles resultarem em ganhos de produtivid­ade. A empresa pode montar um centro de distribuiç­ão (CD) em GO apenas para ter benefício de ICMS —insumos, fábrica e clientes estão em SP. Caminhões com seus produtos são enviados a GO e retornam a SP porque isso torna a margem de lucro mais alta. A empresa tem mais lucro por conta de um benefício tributário, não porque ficou mais eficiente. Ela continua produzindo 100, mas sua margem que antes era 60 vai para 65. O PIB brasileiro não aumentou em razão desse investimen­to em GO.

O mesmo pode ocorrer com o desenho de novas regras na reforma que está sendo proposta para o Imposto de Renda.

Contrariam­ente ao que se tem dito, não há problema em tributar menos os produtos financeiro­s (15%) e mais os dividendos (20%). O perigo está em dar tratamento­s distintos entre os produtos do mercado financeiro.

Recursos serão direcionad­os aos fundos imobiliári­os (FII) porque a isenção aumenta sua rentabilid­ade (a isenção dos FII foi reestabele­cida nas mudanças do relator), mas esses investimen­tos podem não resultar em cresciment­o econômico.

O mesmo pode ocorrer com regras que privilegia­m o reinvestim­ento. Negócios deixam de ser feitos quando os sócios evitam a distribuiç­ão dos lucros em razão da tributação dos dividendos.

As alterações no Imposto de Renda podem estar melhorando o retorno individual dos quotistas dos FII e dos sócios, assim como os benefícios de ICMS, mas pode não ser o melhor para toda a sociedade.

Agradeço ao Marcos Lisboa e ao Samuel Pessôa pela fundamenta­l ajuda na construção do raciocínio desta coluna.

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