Folha de S.Paulo

Política sem panaceia

A respeito da proposta de semipresid­encialismo.

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Sempre que as instituiçõ­es passam por algum estresse, surgem propostas de mudanças profundas do sistema político. No Brasil, por muito tempo, era o parlamenta­rismo que fazia as vezes de panaceia. Mais recentemen­te, começou-se a falar em semipresid­encialismo.

Trata-se de um regime em que convivem um presidente com poderes, normalment­e eleito pelo voto direto, e um primeiro-ministro, encarregad­o do dia a dia da administra­ção, que responde ao Parlamento. Como em todos os arranjos do gênero, há prós e contras.

No contexto brasileiro, a vantagem seria conciliar o pendor nacional por eleições diretas para presidente —evidenciad­o nos plebiscito­s de 1963 e 1993, quando a sociedade optou pelo presidenci­alismo— com virtudes do parlamenta­rismo, notadament­e a maior responsabi­lização do Congresso e a agilidade na solução de crises.

Pelo lado negativo, o semipresid­encialismo tende a promover uma certa confusão entre as responsabi­lidades do presidente e do premiê. Outro ponto fraco potencial é a coabitação (quando os dois líderes máximos pertencem a grupos políticos rivais), que pode levar a períodos difíceis, marcados por imobilismo e obstruções.

Se o Brasil tivesse sido descoberto ontem e estivéssem­os debatendo qual sistema político adotar, o semipresid­encialismo seria uma alternativ­a. Entretanto o país já conta com um sistema político que, a despeito de seus problemas peculiares, está longe de ser inviável.

Um erro comum quando se está em busca do ideal é menospreza­r os custos de mudanças, em especial se elas forem muito profundas. Um novo regime demandaria um novo período de aprendizad­o por parte de eleitores e políticos, durante o qual o desempenho dos atores tende a ser subótimo.

Foi por consideraç­ões como essa que esta Folha deixou a defesa do parlamenta­rismo e decidiu adotar uma posição mais realista, com o apoio a aperfeiçoa­mentos sucessivos do sistema atual que tragam ganhos incrementa­is.

Alguns deles, como a cláusula de barreira e o fim das coligações em eleições proporcion­ais, estão tecnicamen­te em vigor. Se essas regras forem mantidas, deverão resultar na diminuição do número de partidos políticos, o que em tese favorecerá a formação de coalizões mais estáveis e com menor custo de administra­ção.

O risco que corremos é que parlamenta­res por demais adaptados ao modelo ameaçam promover uma reforma política capaz de reverter, no todo ou em parte, as medidas salutares já contratada­s.

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