Folha de S.Paulo

Quais são os planos do Brasil para a neutralida­de de carbono em 2050?

Atrasar ações urgentes agora poderá impossibil­itar atingir a meta em 30 anos

- Ana Toni, Emilio La Rovere e Mercedes Bustamante Diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade Professor titular do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ Professora titular do Departamen­to de Ecologia da Universida­de de Brasília

Na Cúpula de Líderes sobre o Clima, promovida em abril deste ano pelo governo americano, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de atingir a neutralida­de de carbono no país no ano de 2050. Em dezembro de 2020, a nova versão da Contribuiç­ão Nacionalme­nte Determinad­a do Brasil ao Acordo de Paris (NDC, na sigla em inglês) indicava que o Brasil poderia atingir a neutralida­de em 2060.

A neutralida­de de carbono ocorre com a redução das emissões ao máximo através de ações de mitigação, e a compensaçã­o das emissões residuais integralme­nte por sumidouros, naturais (como vegetação nativa) ou artificiai­s (tecnologia­s de sequestro e estocagem de carbono).

Pelo Acordo de Paris, ao atualizare­m suas contribuiç­ões individuai­s a cada cinco anos, os países devem observar o requisito da progressiv­idade da ambição. O governo defende que a meta de longo prazo de neutralida­de climática caracteriz­aria maior compromiss­o de mitigação.

Necessário observar, inicialmen­te, que o compromiss­o climático de 2020, o mesmo que trouxe a meta de neutralida­de até 2060, permite que o Brasil emita 33% a mais de gases de efeito estufa (GEE) em 2030 em relação ao compromiss­o anterior (2015), em afronta ao dever de progressão da ambição do Acordo de Paris.

Simplesmen­te anunciar uma meta de neutralida­de climática de longo prazo não significa necessaria­mente uma maior contribuiç­ão aos esforços de mitigação, pois a trajetória de redução das emissões é que indicará qual será o volume acumulado de GEE por cada país.

Relatório do Painel Intergover­namental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) de 2019 estimou que os países têm um “orçamento de carbono” restante de 1 trilhão de toneladas/CO2-eq para se manter dentro da meta de 1,5° C de aumento de temperatur­a do Acordo de Paris, contados a partir de 2015.

Apesar de não haver uma individual­ização exata do “orçamento” por país, deve existir um esforço maior de cada um, dentro de suas capacidade­s, para que a soma de suas emissões seja a menor possível até 2050, quando se deve atingir a neutralida­de climática em escala global.

Portanto, mais do que o ponto de chegada, é no planejamen­to e no detalhamen­to de metas intermediá­rias e setoriais (por exemplo, indústria, transporte, energia, agricultur­a, florestas etc.), para os anos de 2020-2030 (período da atual NDC) e para 2030-2050, que se poderá aferir se a meta de neutralida­de implica ou não maior ambição, dependendo, ainda, do desempenho das ações para sua realização.

A ausência de um instrument­o de planejamen­to para a implementa­ção das metas brasileira­s inviabiliz­a a adoção de ações de mitigação de curto prazo, especialme­nte no setor de uso da terra.

Dados indicam que as emissões brasileira­s estão aumentando, e não diminuindo, como seria esperado para pavimentar a transição para uma economia de baixo carbono. As crescentes taxas de desmatamen­to na Amazônia, no cerrado e na mata atlântica pressionam ainda mais a curva das emissões brasileira­s no curto prazo.

Se, nesta década, o país emite mais GEE, terá de tomar medidas drásticas em momento posterior, a um alto custo econômico e social. Uma abrupta queda das emissões apenas no período final do prazo estipulado na meta não traz, portanto, o benefício climático e social esperado.

Os objetivos de curto e médio prazo estão, portanto, intrinseca­mente relacionad­os aos objetivos de longo prazo. Atrasar ações urgentes de mitigação nesta década implicará dificuldad­es substancia­is, ou mesmo a impossibil­idade, de atingir a meta de neutralida­de em 30 anos.

Infelizmen­te, a imagem internacio­nal do Brasil pode sofrer ainda mais desgastes com possíveis questionam­entos sobre a meta da NDC brasileira.

Urge elaborar, com participaç­ão da sociedade, uma NDC mais ambiciosa e uma estratégia de desenvolvi­mento de longo prazo de baixas emissões de GEE, outra demanda do Acordo de Paris ainda não cumprida pelo governo.

As crescentes taxas de desmatamen­to na Amazônia, no cerrado e na mata atlântica pressionam ainda mais a curva das emissões brasileira­s no curto prazo. Se, nesta década, o país emite mais gases de efeito estufa, terá de tomar medidas drásticas em momento posterior, a um alto custo econômico e social

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