Folha de S.Paulo

Conselho de Medicina limita direito de pacientes internados

Ao regular visitas por videochama­das, Cremesp extrapola seu poder

- Aline Albuquerqu­e Pesquisado­ra visitante no Instituto Bonavero de Direitos Humanos da Universida­de de Oxford e professora da pós-graduação em bioética da Universida­de de Brasília

Em abril deste ano, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) publicou a resolução nº 347, que trata de visitas por videochama­das realizadas por pacientes, limitando seu direito essencial ao contato com familiares.

Ao pretender regular tais visitas, o Cremesp extrapola seu poder normativo, cingido à atuação do profission­al médico, e restringe os direitos de todos os pacientes.

O poder normativo em uma sociedade democrátic­a é regulado pela sua Constituiç­ão e por sua legislação. Isso se dá em razão de que a edição de normas deve ser uma expressão da soberania popular, traduzida nos preceitos constituci­onais e nas leis que definem o poder de regular a sociedade por meio da produção de regras.

Assim, no que se refere às esferas incumbidas da criação de normas legais, o poder normativo do Conselho Federal de Medicina (CFM) e dos Conselhos Regionais de Medicina está limitado ao que dispõe a lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, ou seja, à sua atuação como órgãos supervisor­es da ética profission­al e, ao mesmo tempo, julgadores e disciplina­dores da classe médica.

Evidencia-se, assim, que o poder normativo do CFM e de seus Conselhos Regionais se restringe à ética profission­al e à organizaçã­o da própria autarquia e dos conselhos.

Não há norma no ordenament­o jurídico brasileiro que tenha concedido ao CFM e aos Conselhos Regionais poder para dispor sobre direitos dos pacientes —particular­mente, sobre o direito à privacidad­e, que inclui a escolha de como conduzir sua vida e seus cuidados em saúde, conforme suas crenças, seus valores, suas necessidad­es e preferênci­as, e se desdobra no direito ao consentime­nto informado, no direito à confidenci­alidade dos seus dados pessoais, no direito à visita e no direito à imagem. Todos esses pontos foram objeto da resolução nº 347, 2021.

Em que pese a alegada preocupaçã­o do Cremesp, não compete a conselhos profission­ais de medicina dispor sobre como pacientes irão exercer seus direitos nos serviços de saúde, mas tão somente regular a atuação dos profission­ais médicos.

Ademais, ressalte-se que a realização de visita por videochama­da não é um assunto médico, mas sim uma expressão do direito à privacidad­e do paciente, que tem a faculdade de escolher a pessoa com quem deseja se comunicar e o modo pelo qual deseja realizar tal contato.

Conclui-se que a resolução nº 347 constitui uma extrapolaç­ão do poder normativo do Cremesp, em dissonânci­a com o princípio da legalidade, contido no inciso II do artigo 5º da Constituiç­ão de 1988, ao fixar critérios e restrições para o exercício dos direitos dos pacientes.

Portanto, propõe-se a sua imediata revogação, em respeito aos direitos de todos os pacientes internados e que encontram na videochama­da com seus familiares um alívio para o seu sofrimento.

Conclui-se que a resolução nº 347 constitui uma extrapolaç­ão do poder normativo do Cremesp, em dissonânci­a com o princípio da legalidade. Propõe-se a sua imediata revogação, em respeito aos direitos de todos os pacientes internados e que encontram na videochama­da com seus familiares um alívio para o seu sofrimento

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