Folha de S.Paulo

Obstrução intestinal pode ser resultado de outras cirurgias

Segundo especialis­ta, histórico de intervençõ­es em Bolsonaro contribui para surgimento de aderências

- Cláudia Collucci

são paulo Uma hipótese em relação à obstrução intestinal diagnostic­ada no presidente Jair Bolsonaro é de que ela pode ter sido causada por aderências (partes do intestino que ficam coladas) decorrente­s do seu histórico de intervençõ­es cirúrgicas após a facada que sofreu em 2018.

Toda vez que um paciente se submete a uma cirurgia intestinal é muito comum surgirem aderências no local. E, por isso, ele passa a ter risco para o resto da vida de sofrer obstruções.

“Elas podem acontecer nas primeiras semanas, nos primeiros anos, demorar dez anos. Tem paciente que opera hoje e daqui a duas semanas vem com aderência obstruindo, tem paciente que operou há 30 anos e que chega obstruído”, relata o cirurgião do aparelho digestivo Diego Adão Fanti Silva, da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo).

Por que essas aderências surgem? O peritônio, que é a camada que reveste todo o abdômen, o intestino e as alças intestinai­s, é uma membrana viva. Ele inflama mediante qualquer contato com um corpo estranho.

“Se colocar um fio cirúrgico no peritônio, ele inflama, se cair poeira do meio ambiente, ele inflama. Se cair uma gota de sangue, inflama. A facada que o presidente levou, inflamou. E o processo de cicatrizaç­ão gera a aderência. Ele espessa e gruda.”

A molécula envolvida nesse processo chama-se fibrina, uma espécie de cola biológica. Por exemplo, quando você faz um corte na mão e coloca um algodão no local, ele vai grudar. Esse “grude” é a fibrina, a resposta do organismo a uma inflamação.

No caso de Bolsonaro, onde o abdômen e o intestino foram cortados, foram geradas aderências e corrigidas em cirurgias anteriores. “Mas sempre sobra. Nunca você consegue voltar o que era antes. E quanto mais operar, mais aderências vai ter”, diz o cirurgião.

O presidente também vinha se queixando de uma hérnia que teria que operar, essa também gerada pelas múltiplas incisões.

“É um abdômen que a gente chama de hostil, difícil, que, com certeza, tem muita aderência. Isso faz que surja uma obstrução no intestino em algum momento”, explica Silva.

E qual a relação desse quadro com as crises de soluço que o presidente vinha apresentan­do? Se o intestino já estava obstruído, o estômago passou a se dilatar. Por quê?

Quando comemos, produzimos saliva. O estômago fabrica suco gástrico, enquanto o fígado e o pâncreas produzem sucos biliares e pancreátic­os. Isso tudo equivale a dois litros por dia e precisa ser absorvido pelo intestino.

Se houver uma interrupçã­o intestinal por uma aderência, essa absorção não acontece e esse líquido volta para o estômago. “É um cano entupido”, compara Silva.

Em 80% dos casos, essas aderências, também chamadas de bridas, podem se desfazer sozinhas em 48 horas. Coloca-se uma sonda, retirase todo o líquido acumulado e o intestino desincha. O paciente recebe hidratação para repor os sais minerais perdidos, como sódio e potássio.

Aqueles casos que não são resolvidos vão precisar de uma cirurgia de emergência. Nessas situações, pode acontecer de a alça intestinal, além de estar obstruída, sofrer uma torção e perfurar. No jargão médico, o quadro é chamado de “brida complicada”.

“É uma cirurgia de extrema dificuldad­e, tem que achar essas aderências, ir soltando. São cirurgias bem demoradas, de cinco a seis horas.”

Como essa intervençã­o pode gerar novas aderências e lesionar outras alças intestinai­s, os médicos costumam ser muito conservado­res na indicação.

Outra possibilid­ade que poderia explicar a obstrução intestinal de Bolsonaro é uma hérnia encarcerad­a —a região do corte de cirurgias anteriores não cicatriza de forma eficaz. Quando isso ocorre, o intestino sai de dentro do peritônio para a região subcutânea.

Ocorre que, em algum momento, dentro dessa hérnia, o intestino pode se torcer e ficar obstruído. Antes de uma cirurgia, é possível tentar colocar essa hérnia para dentro. Mas se houver uma perfuração, é preciso operar.

Essas são as duas principais hipóteses, mas somente o cirurgião Antônio Macedo, que acompanha o presidente Bolsonaro, poderá dar mais informaçõe­s sobre o caso. Procurado, ele não retornou as ligações da reportagem.

“Elas [as aderências no intestino] podem acontecer nas primeiras semanas, nos primeiros anos, demorar dez anos. Tem paciente que opera hoje e daqui a duas semanas vem com aderência obstruindo, tem paciente que operou há 30 anos e que chega obstruído

É um abdômen que a gente chama de hostil, difícil, que, com certeza, tem muita aderência. Isso faz que surja uma obstrução no intestino em algum momento

Diego Adão Fanti Silva

cirurgião do aparelho digestivo da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo)

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Facebook @jairbolson­aro O presidente Jair Bolsonaro em imagem divulgada por ele em suas redes sociais nesta quarta-feira (14)
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